Em excesso na rede privada, cesáreas crescem também no SUS
Mãe de Evelyn, a jovem Pamela Rafaela, de 20 anos, queria parto normal, como a irmã, mas, segundo ela, o médico disse que não havia “passagem para o bebê”. No caso da jornalista Fernanda Alves, de 29 anos, mãe de Valentina, a justificativa médica para a cesárea foi outra: o bebê estava sentado.
— Quando engravidei, procurei dois médicos da rede privada, e ambos, já na primeira consulta, insistiram que era mais seguro fazer cesárea. Aí procurei o SUS, achando que conseguiria o parto normal. Na hora, quando soube fariam cesárea, nem consegui reagir. Nada foi como eu sonhei. Não permitiram a entrada de acompanhante na sala de cirurgia, e só o anestesista falou comigo. Estava assustada e com frio.
Modelo de assistência ao parto incentiva a cirurgia
Para a pesquisadora Silvana Granado, da Escola Nacional de Saúde Pública da Fiocruz, a cultura da cesárea já está tão arraigada no país — a taxa unindo as redes pública e privada chega a 52% — que este tipo de procedimento é usado em larga escala em partos de baixo risco, apesar dos inúmeros estudos apontando eventuais problemas de saúde que este tipo de procedimento pode causar ao bebê, como os respiratórios.
— A cesariana, que deveria ser uma forma de resgatar vidas, no Brasil está diretamente relacionada à comodidade dos profissionais em agendar seus compromissos — diz. Ela considera que uma das razões para o aumento da taxa na rede pública é a disseminação da cesárea pelos profissionais da rede privada que atuam também no SUS.
— Provavelmente, eles estão reproduzindo o mesmo modelo — avalia Silvana, que é uma das coordenadoras de um estudo em curso com 24 mil mulheres em situação de pós-parto, no qual se busca descobrir as razões para a preferência pelas cesáreas.
Presidente da Rede pela Humanização do Parto e do Nascimento (ReHuNa), a médica Daphne Rattner concorda. — Você acha que o médico vai ter uma prática na rede privada e outra no SUS? — pergunta, considerando que o crescimento das cesáreas está relacionado a inúmeros outros fatores, sendo um dos principais o modelo intervencionista de assistência ao parto, no qual o médico desempenha o papel principal. — Nos países que conseguiram reduzir a taxa de cesárea, como os europeus, os partos de baixo risco são feitos pela enfermeira obstetra — observa Daphne.
Obstetriz, Ana Cristina Duarte também acha que, para incentivar o parto normal, é preciso mudar o modelo de assistência e disseminar mais informação: — Há hoje, em todas as camadas sociais, a ideia de que parto normal é um dano. E que, se você quiser o melhor, a medicina de ponta, marca a cesárea. Não é só a classe média, não é só o pobre, mas também a classe médica. Tem neurologista que diz que parto normal é sequelante. Há muita desinformação. Se, na hora do parto, o médico diz que tem que fazer cesárea, ela faz.
Coordenadora da Saúde da Mulher do Ministério da Saúde, Esther Vilela considera que o aumento de partos cirúrgicos está associado ao maior acesso à tecnologia e ao modelo centrado no médico, que trata o parto como evento hospitalar. — Precisamos de lugares mais acolhedores, onde o parto seja tratado como evento fisiológico. Para isso, o governo federal lançou, em 2011, a Rede Cegonha, presente em 370 unidades do SUS, onde, no ano passado, diz Esther, foram realizados 37% dos partos do sistema público.
Acesse o PDF: Em excesso na rede privada, cesáreas crescem também no SUS (O Globo, 15/07/2013)
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