quarta-feira, 22 de agosto de 2012

Avanço


Posted: 21 Aug 2012 06:19 AM PDT
Combinações de dois ou três antirretrovirais, com primeira dose ministrada à criança em até 48 horas após o parto, demonstraram ser duas vezes mais eficazes para o corte da transmissão do HIV quando comparadas ao uso de AZT

De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), atualmente, a medida mais eficaz de prevenção da transmissão vertical do HIV (tentativa de impedir que o bebê seja infectado pela mãe soropositiva durante a gestação, o parto ou a amamentação) é o tratamento de recém-nascidos com o antirretroviral Zidovudina, mais conhecido como AZT. No entanto, os resultados de um estudo conduzido por pesquisadores da Universidade da Califórnia (Ucla), em parceria com a Fiocruz no Brasil, mudam essa orientação oficial: combinações de dois ou três antirretrovirais (Nevirapina, Nelfinavir e Lamivudina), com primeira dose ministrada à criança em até 48 horas após o parto, demonstraram ser duas vezes mais eficazes para o corte da transmissão do HIV quando comparadas ao uso de AZT.

A combinação das drogas muda completamente o padrão de tratamento da doença em todo o mundo. De acordo com a infectologista e diretora do Instituto de Pesquisa Clínica Evandro Chagas (Ipec/Fiocruz), Valdilea Veloso, “o impacto é imenso. Hoje os nossos resultados estão nos manuais da OMS, estão nos manuais do sistema de saúde americano, europeu, brasileiro, então o impacto é realmente global”, afirma. A pesquisa foi publicada na revista científica americana The New England Journal of Medicine e pode ser consultada.

Considerado o primeiro trabalho randomizado (de duas intervenções) e controlado de profilaxia pós-exposição de HIV em bebês nascidos em países que utilizam o AZT como principal técnica de prevenção, o estudo contou com 1.684 crianças tratadas em 17 hospitais da África do Sul, da Argentina, dos Estados Unidos e do Brasil, sendo 70% dos bebês participantes vinculados a instituições brasileiras.

O Ipec/Fiocruz, com o maior número de participantes, foi o responsável por coordenar a pesquisa no Brasil, que contou também com bebês tratados no Hospital Federal dos Servidores do Estado (RJ), Hospital Geral de Nova Iguaçu (RJ), Hospital Conceição (RS), Hospital Femina (RS) e da Irmandade da Santa Casa de Misericordia de Porto Alegre (RS). Pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP), da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz) também fizeram parte do estudo.

“O Laboratório de Aids e Imunologia Molecular do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz) foi responsável por todos os testes moleculares envolvendo o diagnóstico dos bebês brasileiros e a carga viral das gestantes. Foram dez anos entre implementação do estudo e execução desta primeira fase, que nos proporcionou um grande aprendizado em pesquisa clínica e gestão de qualidade. Esses estudos internacionais são extremamente rígidos, assim como todo o processo de validação dos métodos utilizados. Proporcionou-nos um diferencial e uma importante capacitação, que nos permitirá participar de outras pesquisas internacionais de mesmo porte”, afirmou a pesquisadora do IOC, Mariza Morgado, que participou do estudo. “Com a conclusão da primeira fase do estudo, constatamos que o reforço do tratamento de bebês tem impacto importante na transmissão vertical. Mas o projeto continua. Vamos analisar outros aspectos a partir de agora, como, por exemplo, a genotipagem dos bebês e das gestantes”.

Para a pesquisa, entre abril de 2004 e julho de 2010, foram selecionados recém-nascidos de mães soropositivas que descobriram ter a doença pouco antes do parto e, por isso, não foram tratadas com AZT durante a gestação. As crianças foram separadas em três grupos de análise e receberam diferentes combinações dos medicamentos: o primeiro grupo, com 566 crianças, recebeu somente AZT, o segundo, com 562, AZT e Nevirapina, e o terceiro, com 556, AZT, Nelfinavir e Lamivudina. A primeira dose dos antirretrovirais foi ministrada nas 48 horas iniciais de vida do bebê, com continuidade do tratamento por seis semanas. Do total de crianças participantes, 140 foram infectadas antes da administração dos antirretrovirais: em 97 a transmissão ocorreu durante a gestação e, em 43, no parto. Após três meses de acompanhamento, a transmissão ocorreu em 4,8% dos bebês que receberam somente AZT, mas apenas em 2,2% dos que receberam AZT e Nevirapina e em 2,4% dos que tomaram AZT, Nelfinavir e Lamivudina. Os resultados também apontaram que a terapia com duas drogas, aplicada ao segundo grupo, quando comparada com a de três (terceiro grupo), foi menos tóxica.

“Os achados são aplicáveis apenas a bebês de alto risco, o que significa que esses possuem mães que não receberam terapia antirretroviral durante a gravidez”, explica a brasileira Karin Nielsen-Saines, coordenadora-geral do estudo e pesquisadora de doenças pediátricas infecciosas do Instituto de Aids da Ucla. “Bebês nascidos de mulheres HIV positivas, que estavam sendo efetivamente tratadas com antirretrovirais durante a gestação, já apresentam menos de 1% de chances de adquirir a doença de suas mães”. Ainda segundo Karin, crianças nascidas de mães que não receberam terapias antirretrovirais têm 25% de chances de serem infectadas durante a gravidez ou parto. Essa possibilidade aumenta para cerca de 40% quando os bebês são amamentados, motivo pelo qual mulheres soropositivas são aconselhadas a não amamentar em muitos países.

Pioneirismo do Ipec/Fiocruz em estudos sobre HIV
O estudo sobre prevenção da transmissão vertical de HIV faz parte do esforço maior que o Instituto de Pesquisa Clínica Evandro Chagas (Ipec/Fiocruz) tem realizado nos últimos anos no combate a Aids/HIV. No início desde ano, a revista americana Science, uma das mais prestigiadas publicações científicas do mundo, publicou um ranking das dez maiores inovações de 2011 e elegeu como campeã a pesquisa HPTN 052, realizada, no Brasil, pelo Grupo Hospitalar Conceição (GHC), em Porto Alegre, e coordenada pelo Ipec, no Rio de Janeiro. O estudo é um ensaio clínico pioneiro da Rede de Testes para Prevenção de HIV (HPTN, na sigla em inglês) que demonstrou que, se indivíduos HIV positivos aderem a um esquema eficaz de terapia antirretroviral, o risco da transmissão do vírus ao parceiro sexual sem infecção pode ser reduzido em até 96%.

O mérito da pesquisa, segundo a publicação, é provar que o tratamento com antirretrovirais, medicamentos que controlam a ação do vírus HIV no organismo, também pode diminuir a transmissão do mesmo, ou seja, servem como um método de prevenção contra a doença. “Em conjunto com outros ensaios clínicos promissores, os resultados concretizam esforços para acabar com a epidemia de Aids no mundo de uma forma inconcebível até a um ano atrás”, afirma o editor-chefe da Science, Bruce Alberts.

Iniciado em 2005, o estudo HPTN 052 contou com a participação de 1.763 casais sorodiscordantes (97% heterossexuais) e foi realizado em 13 centros de saúde que fazem parte da Rede de Testes, localizados em países da Ásia, África e Américas, como África do Sul, Botsuana, Brasil, Estados Unidos, Índia, Malásia, Quênia,Tailândia e Zimbábue. No Brasil, o Ipec, incluído na HTPN desde 2001, coordenou a participação de mais dois centros, o GHC e o Hospital Geral de Nova Iguaçu (HGNI), no Rio de Janeiro.

Fonte SaudeWeb

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