Posted: 21 Aug 2012 06:19 AM PDT
Combinações
de dois ou três antirretrovirais, com primeira dose ministrada à
criança em até 48 horas após o parto, demonstraram ser duas vezes mais
eficazes para o corte da transmissão do HIV quando comparadas ao uso de
AZT
De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), atualmente, a medida mais eficaz de prevenção da transmissão vertical do HIV (tentativa de impedir que o bebê seja infectado pela mãe soropositiva durante a gestação, o parto ou a amamentação) é o tratamento de recém-nascidos com o antirretroviral Zidovudina, mais conhecido como AZT. No entanto, os resultados de um estudo conduzido por pesquisadores da Universidade da Califórnia (Ucla), em parceria com a Fiocruz no Brasil, mudam essa orientação oficial: combinações de dois ou três antirretrovirais (Nevirapina, Nelfinavir e Lamivudina), com primeira dose ministrada à criança em até 48 horas após o parto, demonstraram ser duas vezes mais eficazes para o corte da transmissão do HIV quando comparadas ao uso de AZT.
A combinação das drogas muda
completamente o padrão de tratamento da doença em todo o mundo. De
acordo com a infectologista e diretora do Instituto de Pesquisa Clínica
Evandro Chagas (Ipec/Fiocruz), Valdilea Veloso, “o impacto é imenso.
Hoje os nossos resultados estão nos manuais da OMS, estão nos manuais do
sistema de saúde americano, europeu, brasileiro, então o impacto é
realmente global”, afirma. A pesquisa foi publicada na revista
científica americana The New England Journal of Medicine e pode ser
consultada.
Considerado o primeiro trabalho
randomizado (de duas intervenções) e controlado de profilaxia
pós-exposição de HIV em bebês nascidos em países que utilizam o AZT como
principal técnica de prevenção, o estudo contou com 1.684 crianças
tratadas em 17 hospitais da África do Sul, da Argentina, dos Estados
Unidos e do Brasil, sendo 70% dos bebês participantes vinculados a
instituições brasileiras.
O Ipec/Fiocruz, com o maior
número de participantes, foi o responsável por coordenar a pesquisa no
Brasil, que contou também com bebês tratados no Hospital Federal dos
Servidores do Estado (RJ), Hospital Geral de Nova Iguaçu (RJ), Hospital
Conceição (RS), Hospital Femina (RS) e da Irmandade da Santa Casa de
Misericordia de Porto Alegre (RS). Pesquisadores da Universidade de São
Paulo (USP), da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), da
Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e do Instituto Oswaldo Cruz
(IOC/Fiocruz) também fizeram parte do estudo.
“O Laboratório de Aids e
Imunologia Molecular do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz) foi
responsável por todos os testes moleculares envolvendo o diagnóstico dos
bebês brasileiros e a carga viral das gestantes. Foram dez anos entre
implementação do estudo e execução desta primeira fase, que nos
proporcionou um grande aprendizado em pesquisa clínica e gestão de
qualidade. Esses estudos internacionais são extremamente rígidos, assim
como todo o processo de validação dos métodos utilizados.
Proporcionou-nos um diferencial e uma importante capacitação, que nos
permitirá participar de outras pesquisas internacionais de mesmo porte”,
afirmou a pesquisadora do IOC, Mariza Morgado, que participou do
estudo. “Com a conclusão da primeira fase do estudo, constatamos que o
reforço do tratamento de bebês tem impacto importante na transmissão
vertical. Mas o projeto continua. Vamos analisar outros aspectos a
partir de agora, como, por exemplo, a genotipagem dos bebês e das
gestantes”.
Para a pesquisa, entre abril de
2004 e julho de 2010, foram selecionados recém-nascidos de mães
soropositivas que descobriram ter a doença pouco antes do parto e, por
isso, não foram tratadas com AZT durante a gestação. As crianças foram
separadas em três grupos de análise e receberam diferentes combinações
dos medicamentos: o primeiro grupo, com 566 crianças, recebeu somente
AZT, o segundo, com 562, AZT e Nevirapina, e o terceiro, com 556, AZT,
Nelfinavir e Lamivudina. A primeira dose dos antirretrovirais foi
ministrada nas 48 horas iniciais de vida do bebê, com continuidade do
tratamento por seis semanas. Do total de crianças participantes, 140
foram infectadas antes da administração dos antirretrovirais: em 97 a
transmissão ocorreu durante a gestação e, em 43, no parto. Após três
meses de acompanhamento, a transmissão ocorreu em 4,8% dos bebês que
receberam somente AZT, mas apenas em 2,2% dos que receberam AZT e
Nevirapina e em 2,4% dos que tomaram AZT, Nelfinavir e Lamivudina. Os
resultados também apontaram que a terapia com duas drogas, aplicada ao
segundo grupo, quando comparada com a de três (terceiro grupo), foi
menos tóxica.
“Os achados são aplicáveis
apenas a bebês de alto risco, o que significa que esses possuem mães que
não receberam terapia antirretroviral durante a gravidez”, explica a
brasileira Karin Nielsen-Saines, coordenadora-geral do estudo e
pesquisadora de doenças pediátricas infecciosas do Instituto de Aids da
Ucla. “Bebês nascidos de mulheres HIV positivas, que estavam sendo
efetivamente tratadas com antirretrovirais durante a gestação, já
apresentam menos de 1% de chances de adquirir a doença de suas mães”.
Ainda segundo Karin, crianças nascidas de mães que não receberam
terapias antirretrovirais têm 25% de chances de serem infectadas durante
a gravidez ou parto. Essa possibilidade aumenta para cerca de 40%
quando os bebês são amamentados, motivo pelo qual mulheres soropositivas
são aconselhadas a não amamentar em muitos países.
Pioneirismo do Ipec/Fiocruz em estudos sobre HIV
O
estudo sobre prevenção da transmissão vertical de HIV faz parte do
esforço maior que o Instituto de Pesquisa Clínica Evandro Chagas
(Ipec/Fiocruz) tem realizado nos últimos anos no combate a Aids/HIV. No
início desde ano, a revista americana Science, uma das mais prestigiadas
publicações científicas do mundo, publicou um ranking das dez maiores
inovações de 2011 e elegeu como campeã a pesquisa HPTN 052, realizada,
no Brasil, pelo Grupo Hospitalar Conceição (GHC), em Porto Alegre, e
coordenada pelo Ipec, no Rio de Janeiro. O estudo é um ensaio clínico
pioneiro da Rede de Testes para Prevenção de HIV (HPTN, na sigla em
inglês) que demonstrou que, se indivíduos HIV positivos aderem a um
esquema eficaz de terapia antirretroviral, o risco da transmissão do
vírus ao parceiro sexual sem infecção pode ser reduzido em até 96%.
O mérito da pesquisa, segundo a
publicação, é provar que o tratamento com antirretrovirais, medicamentos
que controlam a ação do vírus HIV no organismo, também pode diminuir a
transmissão do mesmo, ou seja, servem como um método de prevenção contra
a doença. “Em conjunto com outros ensaios clínicos promissores, os
resultados concretizam esforços para acabar com a epidemia de Aids no
mundo de uma forma inconcebível até a um ano atrás”, afirma o
editor-chefe da Science, Bruce Alberts.
Iniciado em 2005, o estudo HPTN
052 contou com a participação de 1.763 casais sorodiscordantes (97%
heterossexuais) e foi realizado em 13 centros de saúde que fazem parte
da Rede de Testes, localizados em países da Ásia, África e Américas,
como África do Sul, Botsuana, Brasil, Estados Unidos, Índia, Malásia,
Quênia,Tailândia e Zimbábue. No Brasil, o Ipec, incluído na HTPN desde
2001, coordenou a participação de mais dois centros, o GHC e o Hospital
Geral de Nova Iguaçu (HGNI), no Rio de Janeiro.
Fonte SaudeWeb
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