|
BBC
57 mil mulheres devem ser diagnosticadas com câncer de mama
no Brasil em 2014
|
Em dez anos, o câncer será a primeira causa de morte no Brasil,
consequência da detecção tardia da doença, da demora para início do
tratamento e da falta de acesso à medicação avançada
No Dia Mundial de Luta Contra o Câncer, celebrado dia 8, a afirmação
do oncologista Carlos Barrios é menos para causar pânico – se é que
isso é possível – e mais para fazer com que o País responda a um
questionamento crucial para o enfrentamento da doença. “A pergunta é:
‘quanto vale a vida com câncer no Brasil’?”, questiona o médico, que é
membro do Grupo Brasileiro de Estudos do Câncer de Mama (Gbecam).
O Relatório Mundial do Câncer 2014, divulgado pela Organização Mundial
da Saúde (OMS) estima que o número de novos casos pule de 14 milhões em
2012 para 22 milhões em 2030.
Mais de 70% das mortes pela doença
acontecem em países em desenvolvimento, onde a detecção tardia, a demora
em iniciar o tratamento e a falta de acesso a medicamentos de última
geração explicam boa parte dos óbitos. No Brasil, em dez anos o câncer
será a primeira causa de morte – hoje é a segunda, responsável por 15,6%
dos óbitos, atrás das doenças cardiovasculares, como infarto e
hipertensão.
Se o crescimento da incidência é um fato, o problema é a falta de
estrutura para enfrentar essa epidemia, pondera Barrios. “O câncer é uma
doença que pode ser curada, pode ser controlada. Nos países
desenvolvidos, apesar do aumento da incidência, a morte tem caído. Aqui,
crescem as duas coisas”.
Um exemplo típico é o câncer de mama. No Brasil, no ano 2000, a doença
matava nove a cada cem mil mulheres. Em 2011, o número subiu para mais
11,9. Um movimento na contramão do mundo desenvolvido, em que a chance
de cura para esse tipo de tumor chega a 90%. Por aqui, o porcentual é de
cerca de 50%.
“O câncer daqui não é pior do que o de lá. A diferença é de que lá há
diagnóstico precoce e acesso rápido a atendimento, o que não acontece
por aqui”, afirma Maira Caleffi, mastologista e presidente da
Femama, Federação Brasileira de Instituições Filantrópicas de Apoio à
Saúde da Mama
Quanto vale uma vida?
No Brasil, explica Maira, apesar de desde o ano passado a lei prever que
o atendimento a pacientes com câncer deve ser iniciado em até 60 dias
após o diagnóstico, o prazo não é cumprido no Sistema Único de Saúde
(SUS), que atende a cerca de 75% da população. “No SUS, demoram 180 dias
entre a detecção e o início do tratamento do câncer de mama. Imagina o
que esses seis meses significam na diminuição da chance de cura.”
Isso sem contar o acesso limitado e atrasado às opções de tratamento,
explica Barrios. Em pacientes com câncer de mama com metástase – que tem
menor incidência, mas é muito mais agressivo -, há uma medicação
específica, a Trastuzumabe, que é curativa. “O potencial remédio foi
descoberto em 2005, mas a droga só ficou disponível no SUS em 2012.
Nesse período de tempo, entre 5 a 6 mil mulheres morreram por falta de
acesso a esse medicamento”, diz o médico.
Nesse período, Barrios afirma, os convênios foram obrigados pelo próprio
governo a oferecer o tratamento com a droga, que é cara, mas as
pacientes da saúde pública se mantiveram à margem. “É uma discrepância
absurda. O médico deve prover prescrições diferenciadas frente a um
mesmo diagnóstico para uma paciente do SUS e para uma de saúde
suplementar, uma vez que o SUS não fornece o medicamento necessário?”
Sem garantia, resta à mulher procurar a Justiça, como fez Rita de
Cássia, de Porto Alegre. Ela descobriu o câncer em 2012, quando tinha 39
anos. Fez a cirurgia de retirada de mama, quimioterapia e radioterapia.
No ano passado, foi necessário substituir uma medicação por outra que
seria a única eficaz para o seu caso, mas que não fazia parte da lista
de medicamentos fornecidos pelo SUS.
“Precisei acionar a Justiça, comprovar com muitos laudos e
justificativas de que era a única medicação e de que eu não poderia
arcar com o custo. Foi muito desgastante porque o procurador achava que
era muito caro e eu morreria de qualquer forma.”
Decidir ou não investir no tratamento de Rita e de outras milhares de
mulheres em sua situação, afirma o oncologista Carlos Barrios, depende
de incluir todas as partes envolvidas no processo - administração
pública, sociedade civil, sociedades médicas e indústria farmacêutica -
para responder a um único dilema ético: "Quanto vale uma vida? Quanto
estamos dispostos a investir para manter viva uma pessoa com câncer?"
iG