OMS traz debate sobre desnutrição e obesidade infantil
Por Natália Oliveira
A Organização Mundial de Saúde (OMS) lançou neste mês de junho um
guia de combate à desnutrição e à obesidade infantil. Com o título “24
Ações Essenciais para a Nutrição”, a iniciativa pretende direcionar as
autoridades na adoção de medidas eficazes para o combate a esses males.
Para explicar melhor esses problemas que atingem as crianças,
principalmente em países de baixa e média renda, o UFRJ Plural conversou com o professor Hélio Rocha, diretor do Instituto de Puericultura e Pediatria Martagão Gesteira (IPPMG-UFRJ).O relatório “O Estado da Alimentação e da Agricultura 2013 (Sofá)”, publicado em março, constatou que dois bilhões de pessoas sofrem de uma ou mais deficiências de micronutrientes, enquanto 1,4 bilhões têm excesso de peso. Dessas, 500 milhões são obesas. Segundo Rocha, obesidade e desnutrição, apesar de parecerem pplos opostos, têm um contato muito próximo. “Quando a gente fala em desnutrição, está falando em perda de nutrientes. Quando eu falo em obesidade, tenho um tipo de má nutrição, uma nutrição ruim que também apresenta carências”, afirma o pediatra. Há um consenso que define desnutrição como perda e obesidade como ganho de peso pelo acúmulo de gordura.
Segundo o diretor da OMS, crianças obesas são cada vez mais comuns em países em que a desnutrição também é grande. Os números recentes referentes a esses problemas em países subdesenvolvidos e em desenvolvimento assustam. De acordo com a pesquisa, 75% das crianças acima do peso estão nessas nações. Para Hélio Rocha, isso se deve à transição nutricional. “Acontece que, historicamente, todos os países que tiveram desnutrição passam a ter um índice de obesidade alto, até conseguir achar um eixo. Isso aconteceu em todas as grandes nações”, conta.
Quando um indivíduo é considerado obeso ou desnutrido?
A forma de saber se um indivíduo está obeso ou desnutrido é por meio das medidas antropométricas. O que é isso? Consiste em pesar, medir a altura, a circunferência, a pressão arterial. Dentre essas medidas, há dez anos o Índice de Massa Corporal (IMC) passou a ser referência. Ele nada mais é do que a relação entre peso e altura, cuja fórmula é peso/altura². “Na criança isso não pode ser feito assim, porque a altura é variável e a velocidade de crescimento da altura e do peso não é linear”, explica. Nesse caso, a altura e o peso são acompanhados em uma curva ao longo do crescimento do indivíduo.
Desnutrição infantil no Brasil
A OMS considera que há desnutrição quando há carência, seja de um nutriente, ou de todos. “Anemia por carência de ferro é desnutrição” – exemplifica o pediatra.
Há dois tipos de desnutrição: a primária, na qual a criança não recebe o que comer; e a secundária, em que a criança tem alguma doença grave que faz com que ela gaste mais do que absorve de nutrientes. O marasmo e o kwashiorkor são os estágios mais graves da desnutrição. No primeiro, a criança pesa menos de 60% do peso esperado - “é pele e osso” - acrescenta Rocha. Já no segundo caso, a pessoa fica entre 60% e 80% do peso desejado. Entretanto, o kwashiokor é considerado mais grave, porque o indivíduo com marasmo se adapta ao estado de desnutrição, enquanto o outro não, ele incha.
No Brasil, houve uma incidência muito alta dessas doenças. Em 1973, perto de 70% das crianças brasileiras com menos de cinco anos eram desnutridas. “Foi feita uma pesquisa domicílio a dentro pelos militares. Eles esperavam mostrar que vivíamos em um país maravilhoso. Quando viram os resultados, ficaram quietinhos e a gente só teve acesso a essas notícias em 1986”, relata.
Hélio conta que presenciou esses números na prática nos hospitais. “Em 1981 fui para o Ceará. Foi na época da grande seca no nordeste. Trabalhei no interior atendendo a pacientes desnutridos em barracas, tendas. Eu internava cerca de dez a 15 crianças por dia”, conta o diretor. Em 1989 foi realizado outro censo que constatou uma redução de 70 para 30 por cento do número de crianças menores de cinco anos desnutridas. Em 1996 esse percentual baixou para entre 10 e 12%. Já em 2006, o Brasil chegou a ter menos de 5% desses casos. “Atualmente estamos próximos a um número razoável para um país em desenvolvimento”, diz Rocha. É interessante observar que o índice de mortalidade infantil também caiu no país.
As causas da subnutrição infantil estão intimamente ligadas à questão social. Por isso, países da África e da América do Sul têm uma grande ocorrência.
Obesidade
A OMS entende que a obesidade se tornou uma epidemia. Estudos nos Estados Unidos mostram que 50% da população do país é de obesos. Aponta ainda que em 2050 é provável que toda a população seja obesa. Além da má alimentação, o sedentarismo é um dos fatores causadores desses números. “Uma pesquisa mostra que a quantidade de tempo que o americano passa indoor, corresponde a 93% das 24 horas do dia”, ilustra Hélio.
No Brasil, de 1973 para cá houve uma mudança de comportamento, importada dos Estados Unidos, que colocou o país nesse momento de transição nutricional. Quem é responsável por essa mudança é a mídia. “A TV teve papel fundamental na transformação de hábitos brasileiros. Mas assim como ela mudou hábitos e acabou com a desnutrição, ela importou hábitos que fez a transição para a obesidade”, contata. Hoje 13% das crianças brasileiras são obesas e 30% têm sobrepeso.
“As crianças antes brincavam na rua, brincavam de pique, jogavam bola, soltavam pipa, andavam de bicicleta, eu fui uma criança assim”, relata. Hoje, a criança está muito afetada por essas mudanças de comportamento e são alvos fáceis para as indústrias alimentícias. “Kinder ovo dá brinquedo e a criança come o chocolate. Mc Donald’s dá bonequinho, oferece promoções de compre um leve dois. Aí a criança vai e come um hambúrguer de três, dez andares”, critica.
Esse não é um problema meramente estético. A obesidade é uma das principais provocadoras do bullying, podendo causar danos psicológicos à criança. Pode trazer com ela doenças como diabetes, doenças cardiovasculares, má formação do esqueleto. Uma criança obesa tende a ser um adulto obeso. “Se ela passar de dois anos com obesidade, terá 16% de chances. Aos 8 anos essa perspectiva dobra, chegando a 30%. Com 16 anos, se o jovem for obeso tem 80% de chances de se tornar um adulto obeso”, quantifica.
O Bebê
É importante ressaltar que obesidade não tem cura e a preocupação começa com o bebê.
Até os dois anos de idade é a fase mais crítica e determinante para a nutrição. A OMS chama de “os mil dias”, que vai desde a gestação até o segundo ano de vida. Um dos maiores problemas que vivemos hoje quanto a isso é a terceirização da maternidade. “A mulher só quer ter filho com 30 anos. Primeiro precisa cuidar da carreira, arrumar uma pessoa legal, testar essa pessoa e quando tiver o filho já programa com quem vai deixar”, afirma o doutor. A criança passa a ser vista como um “equipamento de luxo”, o que desvaloriza a relação entre a mãe e o bebê, afetando principalmente a amamentação.
Segundo o Dr. Hélio Rocha, o neném deve, exclusivamente, mamar no peito da mãe até os seis meses. Depois disso, até os 2 anos a amamentação continua e deve ser adicionada uma alimentação complementar. É nessa hora que aparecem outros riscos. “Você tem uma série de geleias, de queijinhos, um monte de bobagens, que a mídia ou um pediatra mal informado oferece, e que a mãe acredita que seja bom. E aí a gente vê crianças pequenininhas bebendo refrigerante, comendo miojo, geleia de mocotó, Danoninho, e uma série de coisas que já vai precocemente levá-las para esses sabores escravizantes”, destaca.
Guia da OMS
Dentre as medidas propostas pelo guia umas se referem às mães, como a melhora da nutrição da gestante e a importância da amamentação; outras, às crianças, para as quais sugerem o uso de alimentos saudáveis e de suplementos nutritivos quando necessário.
Conversamos com o doutor Hélio para entender melhor essas recomendações. No que diz respeito à amamentação, ele explica que a importância não está só nos nutrientes do leite, mas “na dedicação da mãe ao neném, que envolve uma série de outras atividades além de dar de mamar. É o cuidar, é o se importar, é o estimular, é o prever, é o prevenir, é o adaptar, é o estar perto”. O bebê que mama no peito até 2 anos, que é o ideal, tem uma chance, a cada mês, 4% menor de se tornar obeso na vida adulta. Isso significa que se ele mamou um ano tem 48% menos chances de ser obeso do que se ele não mamar.
Quanto aos suplementos nutritivos, o diretor do Departamento de Pediatria do IPPMG diz que “existem certos tipos de carências endêmicas de determinados lugares ou que são próprios de determinado grupo cultural”. No caso do Brasil, recomenda-se suplementação de ferro desde os seis meses, ou quando o neném largar o peito. A carência de ferro no país é muito grande: 50% das crianças menores de dois anos apresentam essa deficiência.
A desnutrição, principalmente a falta de ferro até os 2 anos, interfere no crescimento e desenvolvimento cerebral. “70% das crianças que eram desnutridas durante a ditadura hoje estão com 30/40 anos. Isso explica o grande número de analfabetos funcionais, de pessoas que não sabem ler, escrever ou interpretar. São pessoas praticamente improdutivas. E são elas que no momento estão conduzindo o desenvolvimento do país”, esclarece.
Recomendações
Ao final da entrevista, o médico listou o que para ele seriam os três principais fatores de combate à desnutrição e à obesidade infantil: amamentação até os 2 anos, prática de esportes desde a fase em que a criança aprende a caminhar e educação.
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