Questionamentos permeiam debate sobre futuro do SUS
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“Cadê vocês mentores e intelectuais do SUS, academia, Ministério
Público e Judiciário? Passamos muito tempo discutindo teorias e estamos
carentes de respostas práticas. Este é o desafio. Precisamos trabalhar
juntos para alcançar o Sistema de Saúde que queremos”, disse o médico
pediatra e de saúde pública Gilson Carvalho incitando a plateia que
assistia ao debate Para onde vai o SUS?. A mesa-redonda, que
também contou com a presença da pesquisadora de economia da saúde do
Instituto de Estudos em Saúde Coletiva da Universidade Federal do Rio de
Janeiro (Iesc/UFRJ) Ligia Bahia, foi realizada no âmbito das
comemorações dos 59 anos da ENSP e teve o ex-diretor da ENSP e da
Abrasco, Arlindo Fábio Gómez Sousa, como coordenador do debate.
“Onde estamos e para onde vamos?” Também questionou Ligia Bahia dando
início à sua apresentação. Ela lembrou que vivíamos em um mundo
colonizado, polarizado entre capitalismo e socialismo e havia, ainda, o
muro de Berlim. Ligia ressaltou que muitas coisas mudaram e, hoje,
vivemos em um mundo homogêneo, entretanto, extremamente desigual.
“A área da saúde está entre as mais afetadas pela desigualdade. O
Brasil tem elevado gasto privado com saúde, o que é incompatível com o
padrão de um sistema universal. Então, como um sistema de saúde pode
contribuir para que o mundo homogêneo em relação ao capitalismo possa
ser menos desigual? Para que serve esse sistema? Mais médicos não
resultarão em mais saúde! Eles contribuem, assim como os medicamentos,
equipamentos, ambulâncias, entre outros. Mas a função de um sistema de
saúde é reduzir desigualdades, o que não vem ocorrendo no Brasil e no
mundo. Avançamos muito, ampliamos acesso; no entanto, acredito que o SUS
não foi poupado da ‘tsunami neoliberal’”, assegurou ela.
O SUS, a privatização do sistema, o filantropismo lucrativo e o assistencialismo
Lígia ressaltou que diferentes políticas vêm sendo construídas pelos
governos, e, como não poderia ser diferente, a política de privatização
da saúde é uma delas. Outro ponto levantado por ela como uma grande
preocupação é o filantropismo lucrativo. Segundo Ligia, hospitais de
grandes redes e organizações particulares estão à frente de atribuições
que antes eram do governo. Por exemplo, o treinamento de gestores de
hospitais universitários e a realização de pesquisas nacionais, que
foram deslocadas de lugares como a própria Fiocruz para os grandes
hospitais particulares que fazem alianças com os governos. “Isso é de
uma gravidade ímpar, chega a ser dramático”, disse Ligia inconformada.
As consequências desses processos de privatização, filantropia e
assistencialismos são bastante objetivas. Segundo a pesquisadora, existe
uma coalizão política e eleitoral formada a partir desses processos. E
eles não têm apenas bases materiais, mas também se projetam sobre o
tabuleiro político do país. “Envolvem questões como consultas, exames e
internações que são intermediadas por vereadores. Existem casos de
vereadores que são os donos do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência
(Samu) em determinados municípios, e a ambulância só vai para onde eles
querem. E isso, é claro, o reelege. Esse clientelismo deslavado se
chama retrocesso! É preciso que essas questões sejam objeto de
investigação científica e virem teses e estudos. Precisamos entender
essa realidade e o que se passa em nosso país”, alertou ela.
O mar não está para peixe
A fala de Gilson Carvalho também foi permeada por questionamentos sobre
o futuro do SUS. Segundo ele, essa resposta depende de como serão
enfrentados os desafios que são postos na atualidade; e eles não são
poucos. “Envolvem questões práticas, e os profissionais da ponta do
serviço nem sempre tem tempo para refletir”, comentou ele perguntando:
“Cadê vocês? O que os intelectuais da academia estão fazendo para ajudar
os profissionais da prática, amarrados com o cotidiano? Vocês precisam
nos ajudar a construir o SUS!”, apontou.
Gilson criticou ainda o mix de serviços público e privado. Ele destacou
que, “o SUS permite que toda vez que ele não for suficiente se busque o
privado para complementá-lo, mas não para substituí-lo, como vem
ocorrendo. Há uma promiscuidade nessa relação. Há um movimento mundial
de terceirização, inclusive temos terceirizado com muita facilidade as
responsabilidades, as culpas e, consequentemente, as soluções”.
Entre os desafios contemporâneos da saúde que precisam ser enfrentados,
o médico citou as relações entre os princípios da universalidade e da
integralidade que garantiriam o ‘tudo para todos’, sendo essa a
conjugação máxima da constituição da lei de saúde; os serviços próprios e
privados; quantidade e qualidade de médicos; modelos a serem
trabalhados; a eficiência gerencial e operacional; e a participação das
pessoas nas áreas propositiva e controladora. “Eu defendo a
integralidade regulada”, disse Gilson. Segundo ele, precisamos de
regras, da regulação. Essa é uma função nobre do sistema único de saúde.
“Não podemos achar que desenfreadamente vamos ficar na mão dos que
levam vantagem”, ressaltou.
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