(Folha de S.Paulo, 03/06/2014)
Além
das alarmantes taxas de cesáreas no país, a pesquisa Nascer no Brasil,
divulgada na semana passada, mostra que entre as entrevistadas que
tiveram parto normal, 53,5% sofreram episiotomia,
o corte entre a vagina
e o ânus dado supostamente para facilitar a saída do bebê durante o
parto. Assim como as cesáreas, a OMS (Organização Mundial da Saúde) não
recomenda que o procedimento seja feito rotineiramente como tem
acontecido no Brasil.
Profissionais que atendem suas pacientes e seus bebês de forma
humanizada já aboliram a prática que, em 1999, foi descrita pelo médico
americano Marsden Wagner, da OMS, como a “mutilação genital feminina”.
Na semana passada, o Ministério da Saúde publicou uma portaria onde dá
incentivos financeiros para os hospitais que não fizerem a prática e
adotarem outras medidas para permitir respeito à parturiente e que torne
o parto o mais natural possível.
A médica Melania Amorim diz que eliminou o procedimento há 12 anos e
pede desculpas para todas as mulheres que foram cortadas por ela. Ela
diz que vários estudos mostram que a episiotomia traz mais prejuízos do
que vantagens. “A única maneira de termos um períneo íntegro é não
fazendo a episiotomia”, comenta.
Mulheres que foram cortadas durante o parto relatam problemas na
relação sexual e comparam a episio a um estupro por terem o órgão
dilacerado (leia relatos abaixo).
As parturientes contam ainda a dor que sentiram. Por muitas vezes não
serem anestesiadas, elas relatam a dor do corte feito com tesoura ou
bisturi e ainda de cada um dos pontos dado durante a sutura. “Essa é uma
marca que vai ficar para sempre. É a marca de uma cesárea vaginal. A
sensação da mulher é de ser desrespeitada, violentada”, comenta.
Hoje em
dia mulheres têm entrado com ações na justiça pois a episiotomia, sem o
consentimento da paciente, pode ser considerada violência obstétrica.
Melania diz que a prática passou a ser adotada de maneira rotineira
em todo mundo nas décadas de 1940 e 1960. “Existia a crença de que a
episio encurtava o trabalho de parto e isso contribuiu para difundir o
procedimento já que as maternidades começam a seguir linha de produção
com um parto atrás do outro”, comenta. Ou seja, o parto deixou de ser um
evento natural e passou a ser um processo patológico que necessitava de
intervenção obstétrica para evitar ou reduzir complicações.
A MBE (Medicina Baseada em Evidências) mostra que sem a episiotomia a
perda de sangue é menor e que é mais fácil reparar lacerações
espontâneas que normalmente são menores do que o corte da episiotomia.
“A episio já é uma laceração de segundo grau”, explica.
Muitos médicos, diz a obstetra, fazem a episiotomia pois foram
ensinados a fazer na faculdade e na residência. Ela diz que muitos
profissionais de saúde acreditam que o corte reduz laceração grave e
mantém a integridade do assoalho pélvico.
“Não há nenhuma evidência
falando dos benefícios, mas de prejuízos”, explica Melania sobre estudos
disponíveis, desde 2000, na Biblioteca Cochrane. Mas, por que tantos
médicos ainda fazem? Para a obstetra, os motivos principais são:
desconhecimento das evidências e a fala “eu faço porque sempre fiz
assim”.
COMO EVITAR UMA EPISIOTOMIA
O primeiro passo é a escolha do médico que vai acompanhar a gestante
no parto. Se ele faz episiotomia de rotina, a chance de você ter um
corte na hora do nascimento é grande. Para isso, a gestante deve
procurar grupos de apoio ao parto normal que existem em várias cidades e
também nas redes sociais.
A obstetra explica que se o parto não for acelerado, o próprio
movimento de vaivém do bebê durante o trabalho de parto permite um
períneo íntegro ou com uma laceração pequena. Melania explica que o
corte não é indicado em parto pélvico (quando o bebê está sentado), nem
quando há distocia de ombro e muito menos em parto instrumental, com uso
de fórceps, por exemplo.
A OMS (Organização Mundial da Saúde indica a episio em apenas 10% dos
partos. Nos últimos anos, a prática tem caído. No Canadá, por exemplo,
era de 62% em 1993 e, em 2007, ficava em torno de 17%. Nos EUA caiu de
60%, em 1979, para 24% em 2004.
Alguns médicos e obstetrizes recomendam a massagem perineal e
compressas mornas na hora do expulsivo pois ajudam a reduzir laceração
de graus 3 e 4.
Apesar de nem todos os médicos acreditarem na preparação de períneo
nem no uso de compressas, muitas mulheres se preparam com exercícios e
massagens. Uma das opções é o epi-no (aparelho que ajuda a exercitar a
musculatura da região pélvica). Para isso, a gestante deve procurar um
fisioterapeuta para aprender os exercícios perineais para fortalecer
essa musculatura para o trabalho de parto e o pós-parto.
CONFIRA RELATOS DE MULHERES QUE TIVERAM EPISIOTOMIA
“Lembro de sentir muita dor, muito incomodo, a sensação de estar
literalmente rasgada. A dor era tamanha que nem me animei a ficar com
meu bebe no colo, mesmo que a enfermeira tenha timidamente oferecido.
Ah, e ainda teve a piadinha: enquanto suturava, o médico chamou meu
marido pra checar tudo e estava orgulhoso em me deixar “toda novinha
outra vez, bem apertadinha”, falou até que daria um ponto a mais de
presente para o meu marido.” Nicole Passos
“Além da episiotomia (não me avisaram nem pediram permissão para
nada) gigantesca tive laceração de 3º grau. Infeccionou, tomei
antibiótico, passei 12 dias deitada porque não conseguia ficar em pé de
tanta dor, um mês sem conseguir me sentar, usei o travesseirinho da
humilhação por 3 meses, sexo também não lembro quando fiz, deve ter sido
uns 4 ou 5 meses depois do parto. Doeu pra caramba. Doeu e ardeu.”
Isabella Rusconi
“Me senti invadida, como se tivesse sido estuprada mesmo, pois tive
meu órgão dilacerado e reconstruído mecanicamente.” Thielly Martins
“Mesmo gritando, urrando, berrando ‘não corta, não precisa, por
favor, eu assumo, deixa rasgar’. Ela cortou. Disse que ‘só sabia fazer
cortando’. Eu chorei, minha parteira chorou. Perdi. Me sinto mutilada,
invadida. É como ser abusada. É a mesma coisa. Dá pra ver, dá pra
sentir. Dá pra lembrar a cada ‘namoro’ com o marido.” Pamela Moreli
Benoni
“E o pior a hora da episiotomia ela veio com a tesoura para cortar e
eu disse não precisa, ai ela respondeu brava precisa sim e cortou duma
vez sem anestesia, senti tudo, a sutura foi horrível, doeu muito, não
tive nem o gosto de pegar meu bebê nos braços após o parto, mas também
elas não me puseram ele no meus braços. Me senti a pior das pessoas até
hoje quando recordo me da uma coisa ruim me sinto uma dor na alma, é
muito ruim”.
Márcia Cristina Carro
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Pesquisa mostra que 54% das mulheres sofrem episiotomia