segunda-feira, 2 de junho de 2014

Nascer no Brasil

Brasil precisa reformular atenção ao parto

Publicada em
A Fiocruz divulgou os resultados da maior pesquisa sobre partos e nascimentos já realizada no país, a Nascer no Brasil. Coordenada pela pesquisadora da ENSP Maria do Carmo Leal, o estudo indica uma urgência em reformar o modelo de atenção ao parto e ao nascimento, tendo em vista que muitos dos desfechos adversos identificados apresentaram associação com problemas na qualidade da assistência. Os dados foram apresentados durante seminário no campus da Fundação, em 29/5, com a participação de representantes da Rede Cegonha, Opas/OMS e USP.

Maria do Carmo Leal apresentou o estudo que entrevistou 23.894 mulheres em maternidades públicas, privadas e mistas (maternidades privadas, conveniadas ao SUS) e incluiu 266 hospitais de médio e grande porte, localizados em 191 municípios, contemplando todas as capitais e também cidades do interior de todos os Estados do Brasil. A coleta de dados se iniciou em fevereiro de 2011 e terminou em outubro de 2012.

Entre os resultados expostos pela pesquisadora, podem ser destacados:

- apesar da cobertura praticamente universal no país, a atenção pré-natal foi baixa, com 60% das gestantes iniciando o pré-natal tardiamente, após a 12ª semana gestacional, e cerca de um quarto delas sem receber o número mínimo de seis consultas recomendado pelo Ministério da Saúde;

- O SUS foi responsável pelo pagamento de 80% do total de partos, os quais ocorreram em maternidades públicas e mistas, tendo os 20% restantes ocorridos no setor privado com pagamento por plano de saúde ou por desembolso direto;

- A maioria das mulheres teve seus filhos por meio de cesarianas, cirurgia realizada em 52% dos nascimentos. Ao analisar apenas o setor privado, a situação é ainda mais alarmante: 88% nasceram por meio de cesarianas. Estima-se que no país quase um milhão de mulheres todos os anos são submetidas à cesariana sem indicação obstétrica adequada;

- Entre as gestantes que tiveram parto vaginal, observou-se a predominância de um modelo de atenção extremamente medicalizado que ignora as melhores evidências científicas disponíveis;

- A mortalidade materna no Brasil ainda se encontra em níveis elevados e incompatíveis com o desenvolvimento social e econômico do país. Nos últimos 10 anos, a razão de mortalidade materna, estimada em 62 óbitos maternos para 100.000 nascidos vivos no ano 2010.


A pesquisadora encerrou sua exposição destacando que as mulheres brasileiras e seus bebês, de qualquer grupo social, estão sendo desnecessariamente expostas ao risco de efeitos adversos no parto e nascimento. As de mais elevado nível social sofrem o maior número de intervenções obstétricas, em especial a operação cesariana e dão à luz um grande número de bebês com menos de 39 semanas, perdendo assim as vantagens advindas da sua situação social. As mais pobres, atendidas no setor público, estão submetidas a partos extremamente medicalizados, dolorosos e demonstram menor satisfação com a atenção recebida.

O presidente da Fiocruz, Paulo Gadelha, destacou que os resultados da pesquisa a tornam um elemento fundamental na construção de novas políticas públicas e de um novo consenso social a respeito dos partos e nascimentos no país, ampliando ainda mais os compromissos do Governo Federal através de iniciativas como a Rede Cegonha. O presidente lembrou ainda que caberá à Fundação usar sua capacidade para que o estudo contribua em modificações concretas na assistência materna no Brasil.

Para a coordenadora nacional da Rede Cegonha, Maria Esther Vilela, a pesquisa mostra que é necessário mudar o paradigma de assistência do parto enquanto intervenção, para um parto enquanto cuidado, afirmando que o parto/nascimento é um ato de competência das mulheres, sendo necessário dar uma guinada no modelo vigente no país.

Ressaltando que nenhuma mulher deve morrer por conta de sua veia reprodutiva, a diretora do Centro Latino-Americano de Perinatologia, Saúde da Mulher e Reprodutiva da Opas/OMS, Suzanne Serruya, disse ser fundamental para o debate de um novo modelo de atenção em que a mulher tenha o poder, a autonomia e o pertencimento de todo o processo de nascimento de seu filho. Ainda segundo a diretora, o parto é o protagonista da história, cujo processo pertence à mulher, ao filho e à sua família.

Encerrando o seminário, o professor da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da USP João Paulo Souza lembra que a meta agora é transformar as conclusões do estudo em orientações para as políticas públicas baseadas nas evidências científicas coletadas. Para o professor, as desigualdades existentes entre gêneros são as principais causas da mortalidade materna. Segundo João Paulo, sociedade, profissionais e estudantes ligados à saúde devem compreender que é fundamental a promoção da igualdade gênero, fazendo com que as mulheres tenham acesso à renda e a produção dessa.

Confira todas as palestras e a apresentação de Maria do Carmo Leal na Biblioteca Multimídia da ENSP. Assista ainda uma entrevista exclusiva de Maria do Carmo Leal à ENSP TV e leia o sumário executivo temático da pesquisa Nascer no Brasil.

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