Desafios da gestão municipal do SUS
janeiro 23, 2013 em BLOG por Violeta Campolina
Por: Cátia GuimarãesO Brasil é o único país com mais de 100 milhões de habitantes que tem um sistema universal de saúde. E mesmo assim, nos outros países, o secretário municipal não é gestor do sistema”. A fala é de Odorico Monteiro, secretário de gestão estratégica e participativa do Ministério da Saúde. Mais do que destacar a complexidade do Sistema Único de Saúde (SUS) brasileiro, essa constatação também deixa evidente a importância que aqui a gestão municipal assumiu para a garantia do direito à saúde. E esse é o exato tamanho da responsabilidade que aguarda os 5570 novos gestores que tomaram posse em janeiro de 2013. Junto com a pasta da Saúde de cada um dos municípios brasileiros, eles recebem um pacote de novos e velhos dilemas.
A situação dos ACS
Um caso exemplar de embate legal relacionado à lei de responsabilidade fiscal é a situação dos agentes comunitários de saúde (ACS). O artigo 2° da Emenda Constitucional 51 estabelece que os ACS e os agentes de combate a endemias “somente poderão ser contratados diretamente pelos estados, Distrito Federal ou pelos municípios”. Essa determinação legal, acompanhada da luta política que os agentes comunitários de saúde têm tocado, fez com que o cenário de precarização desses trabalhadores se transformasse em poucos anos. De acordo com informações da Confederação Nacional dos Agentes Comunitários de Saúde (Conacs), a maioria esmagadora dos ACS já é contratada por vínculo direto com o município. Pesquisa realizada pela Confederação em 2011 mostra que principalmente a região Nordeste teve avanços significativos: em Sergipe, por exemplo, 100% dos ACS são atualmente contratados diretamente pelos municípios. Em seguida vêm o Amapá, onde apenas 1% dos agentes não têm vínculo direto com o município; e o Rio Grande do Norte, onde esse percentual é um pouco maior: 1,12%. Na outra ponta, o maior problema está no sudeste: o Rio de Janeiro lidera o ranking de ‘desobediência’ à lei, com 20,31% dos agentes comunitários do estado contratados por terceirização. Em seguida, vem o estado de São Paulo, com 10,55%. Segundo Elane Alves, assessora jurídica da Conacs, a situação nesses estados é em parte também resultado da pouca capacidade de organização da categoria, que se fragmentou exatamente por ser contratada por meio de instituições diversas, como OS e Oscip (Organização da sociedade civil de interesse público).
Para a Conacs, a desprecarização deve se estender a todos os ACS do país e mais do que isso: precisa acontecer na forma da lei. O secretário de gestão do trabalho e da educação na saúde do Ministério da Saúde, Mozart Sales, no entanto, pondera: “O que importa é a garantia de direitos”. E opina: “Não necessariamente a contratação precisa ser direta com o município. As estratégias utilizadas são diferentes, com OS ou fundações, por exemplo, atendendo à realidade de cada região”. O secretário argumenta ainda que é preciso respeitar a autonomia federativa. “Preconizamos o vínculo direto, com o máximo de direitos, mas o Ministério da Saúde não pode dizer como os municípios vão contratar”, alega. Mas a Confederação Nacional dos ACS acredita que o Ministério poderia usar seu papel de indutor financeiro das políticas em favor desses trabalhadores. “O governo federal tem sido omisso”, acusa Elane. E completa: “Desde 2005, o Ministério aumentou em 40% o repasse para os municípios exatamente para financiar a desprecarização. Portanto, poderia exigir que isso fosse feito na forma da lei”, diz Elane.
Apesar das discordâncias, como o panorama nacional já é muito mais favorável – inclusive com a maioria desses profissionais contratados por Regime Jurídico Único (RJU), de acordo com o relatório da Conacs –, o principal apelo que os ACS farão aos novos gestores municipais é outro: uma definição sobre o piso salarial da categoria. O piso, junto com a criação de um plano de carreira dos ACS, foi objeto da Emenda Constitucional 63 que, agora, precisa ser regulamentada por uma lei federal que estabelecerá, entre outras coisas, o valor. Mas, sobre isso, ainda não houve acordo.
Segundo Elane, a proposta inicial era que o governo federal aumentasse progressivamente o repasse aos municípios de modo a financiar esse piso, que chegaria a dois salários mínimos. Ela conta que o governo fez uma contraproposta fechando o piso em R$ 722. “Menos do que 8% acima do salário mínimo: é inaceitável”, diz. A luta agora é para que os 40% a mais de repasse que o governo federal faz para financiar a desprecarização sejam utilizados pelos municípios para garantir o piso. Nesse caso, os encargos ficariam por conta dos próprios municípios ou dos estados. De acordo com Elane, a União já aceitou e 11 estados assinaram, por meio dos seus conselhos estaduais de secretários municipais de saúde (cosems), uma moção e apoio à proposta. Nada foi definido ainda. Ela, no entanto, reconhece que, na prática, boa parte dos municípios brasileiros já pagam aos ACS 1,4 salários, mesmo sem qualquer determinação legal. “O governo federal precisava investir mais e os estados deveriam ter alguma contrapartida. Os municípios precisam entrar nessa briga”, apela.
A questão salarial tem, segundo a Conacs, influenciado também os rumos da formação desses trabalhadores. O curso técnico, cujos referenciais curriculares foram publicados em 2005, só teve a sua primeira parte, de 400 horas, financiada pelo Ministério da Saúde nacionalmente. Nos locais em que o curso aconteceu na íntegra, como no município do Rio de Janeiro e em cidades de Pernambuco e Ceará, ele foi pago com recursos do município ou do estado. Mas essa não é a regra. “É complicado investir num curso técnico sem expectativa de melhoria salarial. Além disso, o gestor municipal diz para o ACS que se pagar o curso técnico não vai ter dinheiro para pagar o salário dele”, analisa Elane.
O que o Ministério da Saúde incentiva
A demanda por um plano de carreira, cargos e salários não se restringe, no entanto, à categoria dos agentes comunitários de saúde. Tanto que, em 2006, foram aprovadas pela Mesa Nacional de Negociação Permanente do SUS e pela Comissão Intergestores Tripartite, e referendados pelo Conselho Nacional de Saúde diretrizes nacionais para um Plano de Carreiras, Cargos e Salários no âmbito do SUS.
Mais recentemente, em 2012, a Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde (SGTES) do Ministério da Saúde lançou duas iniciativas para incentivar a implementação desses planos nos estados e municípios. A portaria 2517, de novembro de 2012, funciona como um edital voltado para estados e o Distrito Federal. No total, serão investidos R$ 5 milhões em três projetos de planos de carreira de abrangência intermunicipal ou regional e R$ 2 milhões em sete projetos que podem incluir também a desprecarização dos vínculos. A outra iniciativa é o Prêmio Inova-SUS Carreira, que teve sua primeira edição em 2011 e em 2012 contemplou sete estados, municípios, consórcios de saúde ou fundações públicas que tinham experiências bem sucedidas de planos de carreiras com R$ 200 mil para serem aplicados na área de gestão do trabalho e da educação. Esse, no entanto, continua sendo um ponto de dificuldade para os municípios no modelo atual de financiamento da saúde. “Criar carreira nos cerca de 4 mil municípios brasileiros que têm menos de 20 mil habitantes, por exemplo, é difícil. Precisamos pensar o papel do estado nesse processo”, opina Odorico Andrade, secretário de gestão estratégica e participativa do Ministério da Saúde.
O Ministério da Saúde está tentando atuar também no problema que o Conasems aponta como um dos maiores obstáculos para a saúde nos municípios em relação à gestão do trabalho, especialmente para a atenção básica: a fixação de profissionais. E, de acordo com Antonio Nardi, esse desafio só tem aumentado. “Esse não é mais um problema apenas para as áreas mais remotas; hoje envolve também os centros urbanos”, informa.
A iniciativa em curso para tentar minimizar esse problema é o Programa de Valorização do Profissional da Atenção Básica (Provab), instituído pela portaria 2087/2011, pelos ministérios da saúde e da educação, que, no entanto, é voltado para “municípios considerados áreas de difícil acesso e provimento ou de populações de maior vulnerabilidade”. O Provab consiste em oferecer aos profissionais já formados que aceitem trabalhar nessas localidades de difícil acesso um curso de especialização em Saúde da Família à distância, por meio das universidades públicas que compõem o Sistema Universidade Aberta do SUS (UNA-SUS).
Além disso, o Provab contempla apenas médicos, enfermeiros e cirurgiões-dentistas. Segundo o diretor do departamento de atenção básica da Secretaria de Atenção à Saúde do Ministério da Saúde, Heider Pinto, o programa não envolve profissionais de nível médio porque o principal nó crítico é a fixação do médico. De acordo com informações da assessoria de imprensa da SGTES/MS, o Provab conta atualmente com 2269 profissionais entre contratados pelas secretarias municipais de saúde e bolsistas.
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