Formação técnica dos Agentes Comunitários de Saúde
Talita Rodrigues
Para discutir a importância dessa luta, foi realizado na Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV), de 25 a 27 de novembro, o seminário ‘Contribuições da formação técnica do Agente Comunitário de Saúde para a Atenção Básica e para a luta pela sua qualificação profissional’.
A primeira mesa do evento teve como tema ‘A política de formação dos Agentes Comunitários de Saúde’. Aldiney Doreto, coordenador geral de Ações Técnicas em Educação na Saúde do Departamento de Gestão da Educação na Saúde da Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde do Ministério da Saúde, falou sobre o projeto de qualificação do ACS , que ainda está em curso pelo Ministério da Saúde, em parceria com as Escolas Técnicas do Sistema Único de Saúde (ETSUS). Nesse projeto, o Ministério da Saúde financia o Módulo 1 da formação técnica, com carga horária de 400 horas.
Segundo dados apresentados por Aldiney, desde 2005, 72% dos ACS do país fizeram a primeira etapa da formação técnica. “Alguns estados, como o Piauí e Sergipe, estão fazendo a formação completa com os recursos do Módulo 1, mas existem muitas dificuldades para concluir a formação dos ACS, como o vínculo precário, que acaba fazendo com que muitos deixem a função”, disse Aldiney. “O Ministério da Saúde vê a formação dos ACS como uma ferramenta poderosa para a mudança. Nenhuma tecnologia salvou tantas vidas como a incorporação do ACS na Estratégia Saúde da Família”, disse, admitindo, porém, que o Ministério apenas induz a formação dos ACS financiando o primeiro módulo, mas que os módulos 2 e 3 não são financiados pelo governo federal, ficando a cargo dos estados e municípios. “O governo federal não pode interferir. Estados e municípios têm que agir”, disse.
A diretora da Escola de Formação Técnica em Enfermeira Saúde Izabel dos Santos, Marta de Fátima Barbosa, falou sobre as dificuldades enfrentadas pela escola nos últimos anos, quando foi transferida pelo Governo do Estado do Rio de Janeiro da Secretaria de Saúde para a Secretaria de Ciência e Tecnologia. Antes dessas mudanças, a escola, que é uma ETSUS, fez a formação de 4.700 ACS no Módulo 1 do curso. Posteriormente, parte desses profissionais cursou os Módulos 2 e 3 na EPSJV.
Atualmente, a Escola Izabel dos Santos está participando, juntamente com a EPSJV, da coordenação do Projeto Caminhos do Cuidado no Rio de Janeiro, que irá fazer a formação em Saúde Mental de ACS e técnicos de Enfermagem da Atenção Básica.
O papel da EPSJV no processo formativo dos ACS do Rio de Janeiro foi o tema da fala do diretor da Escola, Paulo César de Castro Ribeiro. “Nós apostamos na formação técnica integral e integrada para que os profissionais tenham um entendimento mais amplo do SUS e de sua inserção nesse sistema”, disse Paulão, acrescentado que a EPSJV defende a formação completa dos ACS e que esta formação seja feita pelas ETSUS. “Mas a Escola Politécnica não tem como atender a todas as demandas. Por isso, é muito importante que a Escola Izabel dos Santos volte a se colocar nesse processo formativo”, acrescentou, informando ainda que a EPSJV deve abrir uma nova turma, talvez em parceria com a Escola Izabel dos Santos, para oferecer os módulos 2 e 3 para os ACS do Rio de Janeiro.
Em 2011, a EPSJV concluiu a formação da primeira turma de ACS da região Sudeste a fazer um curso técnico. Foram formados agentes que atuam na região de Manguinhos, na cidade do Rio de Janeiro. Em dezembro de 2012, a EPSJV concluiu a formação de sete turmas, com a participação de 210 ACS que atuam em várias regiões do município do. Os ACS que participaram do curso já haviam realizado a primeira etapa da formação na Escola Técnica Izabel dos Santos. Atualmente, a EPSJV está fazendo a formação de mais uma turma de ACS, com 31 alunos, do Rio de Janeiro e de Duque de Caxias. Esse novo grupo de técnicos irá concluir o curso até setembro de 2014.
Paulo César falou também sobre a importância da organização dos ACS para que consigam conquistar seus direitos e lutar pela sua formação. “É importante ter uma organização para uma melhor representação da categoria”, disse o diretor. Para ele, a formação integral também é importante para que os ACS sejam agentes das mudanças do SUS e para o fortalecimento do sistema como um todo. Nesse sentido, outra questão importante para os ACS é o tipo de vínculo empregatício. “Cada lugar tem uma forma de inserção e os profissionais se submetem a ela porque precisam trabalhar, mas para que o trabalho dos ACS tenha efetividade e continuidade, os vínculos estatutários mais estáveis são essenciais. Temos que ter isso como pauta de luta para que o agente público tenha capacidade para enfrentar esses problemas”, defendeu.
Qualificação profissional
‘A luta dos ACS pela sua qualificação profissional’ foi o tema da segunda mesa do seminário. Jane Oliveira, do Sindicato dos Agentes Comunitários de Saúde do Estado do Rio de Janeiro (Sinacs-RJ), lembrou que o Rio de Janeiro é um dos estados brasileiros mais atrasados em relação à qualificação e desprecarização dos ACS. “Menos de 50% dos ACS são efetivados no estado, alguns só têm contratos informais, e a maioria tem apenas o curso introdutório. Outros começaram a trabalhar sem ter nenhum tipo de formação”, disse Jane, lembrando ainda que os ACS são uma carreira exclusiva do SUS e a única categoria da Atenção Básica que trabalha 40 horas por semana. Para melhorar as condições de trabalho, Jane lembrou da importância da união e da mobilização da categoria. “O sindicato só pode ser movido se os trabalhadores estiverem presentes. Se eles não estiverem no conjunto da luta, não podemos avançar”, concluiu.
Em Palmas (TO), essa luta resultou na efetivação dos Técnicos em Agentes Comunitários de Saúde (TACS), em 2008, após concluírem a formação técnica. Ricardo Silva, ex-presidente da Associação Tocantinense dos ACS, ressaltou que os ACS precisam de fundamentação teórica para orientar melhor as famílias atendidas por eles. “Cabe aos ACS identificar problemas e buscar soluções, só isso já justifica a formação técnica, que beneficia as pessoas para as quais estamos trabalhando”, disse Ricardo, que completou: “Durante muito tempo fomos tratados como aqueles que estão na ponta, mas precisamos estar inseridos no processo. A saúde do SUS é a gente que faz”.
Na cidade do Rio de Janeiro, os ACS continuam lutando pela formação técnica e a efetivação com um vínculo mais permanente, pois, atualmente, todos os profissionais do município são contratados por meio de Organizações Sociais (OS). “Estamos buscando a formação técnica para todos e brigando pela criação do cargo de ACS dentro da estrutura do município. A Escola Politécnica tem sido uma academia de debates para os ACS. No curso, percebemos como é importante nos qualificarmos e também nos organizarmos para lutar por nossos direitos”, disse Kelson Gonçalves, que se formou técnico em ACS pela EPSJV e integra a Direção do Sindicato dos Agentes Comunitários de Saúde do município do Rio de Janeiro (Sindacs-RJ).
Assim como acontece no Rio de Janeiro, a situação dos ACS de Belford Roxo (RJ) também é de precarização e falta de qualificação profissional. “Mas a luta por melhorias tem que ser conjunta. Muitos ACS não participam do sindicato. Precisamos construir uma base sólida para lutar por melhores condições de trabalho. Para que as coisas mudem, os ACS também têm que mudar”, disse o diretor estadual do Sindicato dos Trabalhadores Públicos Federais da Saúde e Previdência Social (Sindisprev-RJ), Reinaldo Gonçalo Mendes, que lembrou ainda que os ACS são fundamentais para o trabalho da equipe de Saúde da Família por estarem dentro da casa das pessoas.
A mudança de atitude e a formação técnica já são realidade em Recife (PE), onde os ACS são técnicos e foram efetivados pelo governo municipal. “Essa construção nos faz fortes. Se não houver isso, nada vai para frente. Em 2006, ainda éramos contratados e, mesmo assim, fizemos nossa primeira greve. Todo mundo despertou para a luta. Conseguimos fazer o curso no nosso horário de trabalho e essa formação serve como instrumento de libertação e motivação. O ACS é um agente transformador e a comunidade confia na gente. As grandes lutas e as grandes conquistas se dão nas ruas”, disse Ednaiptan da Silva, diretor de Formação e Prática Sindical do Sindicato dos Agentes Comunitários de Saúde e Combate as Endemias do Estado de Pernambuco (Sindacs-PE).
Educação Popular
A ‘Contribuição da formação em saúde, com base na educação popular, para a Atenção Básica’ foi o tema do segundo dia do seminário. José Wellington de Araújo, do Departamento de Epidemiologia e Métodos Quantitativos em Saúde, da Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca (ENSP/Fiocruz), falou sobre a importância da educação em saúde para melhorar a qualidade de vida das pessoas. “Muitas vezes, um problema está tão naturalizado para uma população que ela não consegue enxergar uma solução. É preciso que alguém de fora mostre a solução”, disse ele. Para exemplificar, José Wellington contou um fato ocorrido na década de 1970 no interior do Ceará, onde atuava como médico. “Havia um grande índice de crianças com desnutrição proteica. Reuni as mães e expliquei a diferença entre proteína e carboidrato. Elas entenderam a situação e a desnutrição diminuiu”.
Sonia Acioli, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), falou que a Educação Popular em Saúde deve usar o diálogo como elemento de construção das práticas, privilegiando a troca de saberes, a realidade local e as experiências da população. “Nesse processo, as práticas devem orientar as teorias e os processos de trabalho devem ser participativos”, disse ela, que completou: “Ninguém sabe mais ou menos do que o outro. Os saberes são diferentes, por isso, o planejamento das ações educativas deve ser coletivo”.
A professora-pesquisadora da EPSJV Vera Joana Bornstein destacou que trabalhar com a educação em saúde é fundamental para todos os profissionais da Atenção Básica. “A educação popular é uma forma diferente de fazer educação em saúde. E a educação popular deve ser problematizadora, e não partir de uma verdade que não pode ser questionada. Tem que partir das perguntas para entender a situação”, disse Vera.
Formação técnica
A ‘Contribuição da formação técnica do ACS para a Atenção Básica ‘ foi o tema da mesa que encerrou o seminário. Representantes das secretarias municipais de saúde de Palmas (TO), Recife (PE) e Rio de Janeiro (RJ) falaram sobre as experiências de formação nesses municípios.
Nígima Cristina de Oliveira, de Palmas, falou sobre a repercussão da formação técnica para os ACS . Ela contou que após completarem o curso, os TACS passaram a repensar suas práticas, melhoraram a autoestima, desenvolveram projetos comunitários, entre outras mudanças no trabalho em equipe. “A formação técnica também trouxe um protagonismo para os TACS na equipe, que passaram a ter uma participação mais qualificada nas reuniões técnicas e nos processos de educação permanente”, disse ela.
No Rio de Janeiro, apenas 10% dos quatro mil ACS têm a formação técnica. Flávio Augusto de Souza, que participou da formação de parte desses ACS, falou sobre a experiência dessa formação, realizada por meio de uma parceria entre a EPSJV e a Secretaria Municipal de Saúde e Defesa Civil do Rio de Janeiro (SMSDC-RJ). Flávio também falou sobre a cobertura da Estratégia Saúde na Família (ESF) no município , que tem 826 equipes, atendendo 45% da cidade. “Temos que pensar no trabalho do ACS e seu papel transformador na Estratégia Saúde da Família”, disse ele.
Em Recife (PE), a formação técnica dos ACS contou com a participação dos profissionais em todas as etapas do curso. “Eles participaram da construção do programa pedagógico e da comissão de gestão do curso”, contou Mauricéia Maria de Santana, que fez parte da comissão pedagógica. Em Recife, os ACS foram efetivados em 2006 e, em 2012, completaram a formação técnica. “Após o curso, muitos se sentiram motivados a continuar a estudar, tiveram sua identidade resgatada e se sentiram protagonistas da educação em saúde. Para dar um exemplo, atualmente, o presidente do Conselho Municipal de Saúde de Recife é um Técnico em Agente Comunitário de Saúde”, conclui Mauricéia.
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