09/05/2013
Nasf: a atenção sem atenção
Viviane Tavares - Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz)
Equipes são inseridas com proposta de dar suporte aos profissionais da
Estratégia Saúde da Família, mas têm contratação precarizada e
treinamento insuficiente.
Essa variação se dá de acordo com três modalidades dos Nasfs:
O Nasf 1 é composto por, no mínimo, cinco profissionais de nível superior - entre psicólogo, assistente social, farmacêutico, fisioterapeuta, fonoaudiólogo, profissional de educação física, nutricionista, terapeuta ocupacional, ginecologista, médico homeopata, médico acupunturista, pediatra e psiquiatra, vinculado de cinco a nove equipes da ESF.
O Nasf 2 é composto por, no mínimo, três profissionais de nível superior e vinculado de três a quatro equipes.
O Nasf 3, criado pela portaria nº 256, de 11 de março de 2013, que além disso atualiza as demais vinculações dos outros núcleos ao número de equipes e determina este último núcleo criado a, no mínimo, uma e, no máximo, duas equipes, permitindo assim que municípios com pequenos números de habitantes possam fazer parte do programa.
Conforme o programa proposto, a atuação do Nasf é dar apoio matricial com o intuito de realizar atendimento compartilhado para uma ‘intervenção interdisciplinar, com troca de saberes, capacitação e responsabilidades mútuas, gerando experiência para ambos os profissionais envolvidos', como afirma o site do Ministério da Saúde, que aponta também que a equipe terá ‘ênfase em estudo e discussão de casos e situações, realização de projeto terapêutico, orientações, bem como atendimento conjunto, criando espaços de reuniões, atendimento, apoio por telefone, e-mail, etc.'.
Gastão Wagner , professor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), durante o debate ‘Como o Nasf está sendo implantado? Desafios e possibilidades na ESF', realizado na Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca (Ensp/Fiocruz) explicou que a equipe tem um papel fundamental, mas que é preciso reconhecer a importância deste profissional e da sua atuação. "Há algumas cidades do Nordeste que 50% das equipes recusaram o Nasf e outras equipes de Nasf resolveram ficaram igual generalistas, recusam o seu núcleo específico e ficam exercendo papel de enfermeiro ou médico de família. Desta maneira, o sentido do Nasf desaparece. Se estes profissionais estão lá é porque o seu papel é diferente dos demais", disse Gastão Wagner, que exemplifica: "o educador físico e o fisioterapeuta supostamente têm uma resolutividade, tanto na promoção de saúde como na articulação de caminhadas conjuntas, uso de espaços públicos como escolas e praças e, em casos mais graves, trabalham com a atenção individual, então não podem confundir o seu papel", completou.
Um dos grandes problemas no dia a dia desses profissionais é a questão de apenas um Nasf centralizar diversas equipes da ESF - um mesmo núcleo pode ser responsável por até oito equipes em alguns casos - além da gestão baseada em metas e resultados. "Temos problemas com o subfinanciamento, que acabam sobrecarregando as equipes da saúde da família e, em consequência o Nasf, mas o problema de gestão também é sério. Encontramos casos em que a equipe é responsável por uma população maior do que aquela que daria conta para fazer esse conjunto de coisas. Obrigam as equipes a priorizaros atendimentos, fazendo com tenham que selecionar qual paciente atender", analisou, apontando outro problema: "Quando as equipes da saúde da família falarem que não tem tempo para reuniões - uma das proposições do Nasf -, não podemos tomar como mentira ou preguiça. O Nasf tem cinco profissionais diferentes e, se cada um for fazer uma reunião, a equipe vai viver em reunião. A agenda tem que ser construída conjuntamente. Uma equipe da saúde da família construída sem o modelo gerencialista tem duas horas por semana para reunião. Não precisa ser tudo em encontros formais, pode ser pelo corredor, e-mail, mas tem que haver este debate e deliberar", observou.
Outro ponto relevante levantado por muitos trabalhadores é a questão da circulação entre as equipes da saúde da família. Gastão defendeu que o SUS deveria garantir o transporte desses trabalhadores. "Em São Paulo isso é muito comum porque as equipes ficam distantes umas das outras. Não podemos mandar o trabalhador fazer com o carro próprio ou a pé", ressaltou.
Contratação e treinamento
O vereador do Rio de Janeiro, Paulo Pinheiro, (PSOL) lembrou que a forma de contratação, tanto das equipes do Nasf, quanto da ESF tem sido a mesma em todos os estados: por meio de organizações sociais e fundações. "Quem executa a saúde da família é contratado pelos gestores da saúde, que atualmente são as Organizações Sociais (OS) e, por conta disso, precisam apresentar resultados. Esta é a lógica da OS: só recebe pagamento diante de resultado e essa lógica replica no trabalhador, que fica desmobilizado por medo de retaliações", informou. O vereador afirmou ainda que, hoje, as OSs no Rio de Janeiro incorporam mais da metade do orçamento municipal da saúde - R$ 2,4 bilhões de 4,6 bilhões - e que 16 mil trabalhadores são contratados por este meio, enquanto o número de servidores é de 24 mil.
Outro ponto relevante é a questão do treinamento. Atualmente, não há uma preparação prévia nem contínua desses profissionais para atuar de maneira matricial. "Como regra geral, em 98% dos casos, a formação desses profissionais é nenhuma. A gente brinca que, quando são contratados, o gestor chega, bate nas costas, entrega o manual do Ministério da Saúde e joga na água fria. Não vemos o apoio aos apoiadores, nem no começo, nem no dia a dia. E isso não acontece em Recife (PE), em Minas Gerais, nem em Campinas (SP)", denunciou Gastão Wagner.
Modelo atual
O coordenador de Saúde da Linha de Cuidado Saúde Mental e Violência, da Secretaria Municipal de Saúde e Defesa Civil do Rio de Janeiro, Thiago Pithon, também presente no debate realizado pela Ensp/Fiocruz, explicou que é importante que haja a intervenção por dentro. "A gente produz gambiarras, que suavizam, mas mortificam. Esse é o caso da criação das OSs e das fundações no lugar de discutir a Lei de Responsabilidade Fiscal, por exemplo. Precisamos mostrar que é possível fazer com a administração direta, mas não com esse modelo que está dado hoje", destacou. Se pensarmos na gestão, para equipar a minha unidade eu levo seis meses, e uma OS faz isso para mim em semanas. O que fazer diante deste argumento? Seria possível fazer a expansão da Atenção Primária no Rio de Janeiro do jeito que foi com a administração direta? Se pensarmos as OSs como um avião que decolou, mas precisa pousar, podemos conceber isso. Mas se a gente pensar em um modelo permanente, esse que o Brasil tem colocado, a gente está produzindo jeitinhos e não resolve o problema, só piora", analisou. "Eu faço parte da secretaria municipal e estou contratado via OS, portanto, estou em um lugar híbrido. O município do Rio deixou claro a limitação deste ano em termos de recursos e terá uma redução significativa. Estamos deixando de contratar, demitindo profissionais e reorganizando a rede para que ela continue funcionando com essa redução. Em consequência disso, deixamos de montar a equipe do Nasf por conta dessa realidade. Mas, como podemos lutar contra isso e não desistir? Esse lugar é o da micropolítica, das ações potentes locais.Mas sabemos que alguns trabalhadores não se sentem à vontade para esta disputa política, por isso, a importância de repensar e fortalecer a administração direta", disse Thiago.
Gastão endossou as palavras do Thiago e ressaltou ainda que é preciso discutir sobre o subfinanciamento. "Nós temos a metade do dinheiro mínimo necessário para manter o SUS, e com o passar do tempo, vamos ficando tolerantes e engolindo muita coisa que não podemos aceitar. Precisamos criar movimentos com os usuários e com os trabalhadores, mas não podemos cair na armadilha daqueles que são contra o SUS. São conquistas que estão ameaçadas pela forma de implementação", analisou.
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