terça-feira, 25 de outubro de 2011

CMDSS aponta mudança de paradigma na saúde global

ENSP, publicada em 25/10/2011

Isabela Schincariol

"Este encontro demarca uma mudança, pois, pela primeira vez, uma conferência mundial não trata de um problema específico de saúde ou doença, e sim de bases que determinam o porquê das pessoas adoecerem e morrerem", afirmou o ex-ministro da Saúde do Brasil e atual diretor executivo do Instituto Sul-Americano de Governo em Saúde (Isags), José Gomes Temporão, em entrevista concedida durante a Conferência Mundial sobre Determinantes Sociais da Saúde (CMDSS), realizada pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Segundo ele, a Declaração Política do Rio sobre Determinantes Sociais da Saúde pode se transformar em um poderoso instrumento para dentro dos países e também entre países e regiões. E declarou ter certeza de que "nada será como antes na saúde mundial depois desse encontro".

Para o Isags, essa mudança é muito importante, comentou Temporão, pois o Instituto surge exatamente como um novo organismo continental que reúne os 12 países da América do Sul dentro da Unasul, e sua proposta é reforçar a capacidade de governo dos Ministérios da Saúde, capacitar quadros, formar quadros dirigentes, fazer pesquisas e dar apoio técnico aos 12 países do continente por meio de uma agenda, que está centrada nos determinantes sociais em saúde, sistemas universais, acesso à tecnologia, entre outros. O ex-ministro afirmou ainda que é um orgulho para os brasileiros sediarem o mais importante evento mundial sobre saúde pública já realizado desde a Conferência Internacional sobre Cuidados Primários de Saúde, realizada em 1978, no Cazaquistão, quando foi formulada a Declaração de Ama-Ata. "Agora, em 2011, reunimos aqui no Rio de Janeiro mais de 140 países e 60 ministros, e a escolha por esta cidade também reflete o respeito da comunidade internacional sobre a experiência brasileira das últimas décadas de construir um sistema universal inclusivo e democrático", considerou.

O Isags, que teve a Fiocruz como gestora e tem apenas alguns meses de atuação, já inicia seus trabalhos rompendo paradigmas. "Não olhamos para a doença, a medicina ou recortes específicos. Foram definidas cinco áreas estratégicas de atuação: sistemas universais; determinação social da saúde e promoção; acesso a medicamentos e tecnologias; vigilância em saúde; trabalhadores da saúde. Essa estrutura expressa uma nova maneira de construir agenda de um organismo internacional. E a ideia é que o Instituto use as redes e centros formadores, como a Rede de Escolas de Saúde Pública (Resp), a Rede de Escolas Técnicas de Saúde (Rets), e outras para alavancar seus projetos e ofertas.

O Isags está comemorando, entre outras conquistas, a inserção de 85% das reivindicações propostas pelo bloco de países da Unasul à Carta do Rio. Entre elas estão a inclusão da questão da crise econômica global e do acesso aos medicamentos no Brasil. Essas modificações sugeridas foram fruto de três dias de trabalho de representantes dos 12 países e dos ministros da Saúde em oficina promovida pelo Pró-Instituto Sul-Americano de Governo em Saúde (Pró-Isags), também no Rio. Como consequência desta Conferência, a próxima reunião dos representantes dos países desse bloco e dos ministros da Saúde será realizada na sede no Isags, no Rio de Janeiro. Além disso, por solicitação da Unasul, foi aceito que a Declaração do Rio seja adotada como resolução pela 65ª Assembleia Mundial de Saúde, que será realizada em 2012.

Durante a entrevista, Temporão disse que a criação da Unasul saúde significa uma repolitização da saúde no continente. Ou seja, uma agenda política global não baseada em agravos. E ele apontou o grau de cooperação internacional do campo da saúde como uma questão a ser revista. "A Cooperação Sul-Sul vem rompendo com uma visão tradicional de doador-receptor. Temos de construir relações horizontais, compreendendo que todas as sociedades podem também dar contribuições específicas para os países que detêm mais conhecimento ou mais riqueza. E é isso o que o Brasil vem fazendo", disse.

Ele continuou explicando que "embora nosso país ainda não possa ser considerado doador, ele já é um respeitável colaborador. Cerca de 30% de toda a nossa cooperação internacional é no campo da saúde. Além disso, também temos o trabalho do Brasil com os países africanos de língua portuguesa, a construção de uma fábrica de antirretrovirais em Maputo, Moçambique - para a qual o país vai transferir tecnologia para os moçambicanos desenvolverem suas atividades de produção de genéricos e tentarem resolver seus problemas de oferta desses medicamentos -, a participação brasileira na reconstrução do Haiti em parceria com Cuba e o próprio Isags na formação de quadros políticos e na democratização do acesso ao conhecimento", detalhou Temporão.

O ex-ministro finalizou confirmando que a Unasul Saúde e o Isags surgem como inovações no campo da política e do desenho institucional. "O fortalecimento da Unasul coloca um novo ator político neste cenário, capaz de questionar o status quo de certas definições, como, por exemplo, a luta do Brasil contra a profunda injustiça e desigualdade na governança global no campo das Nações Unidas, a demanda do Brasil e de outros países a terem assento no Conselho de Segurança. Além disso, nós também temos grande expectativa numa reforma profunda de estrutura da Organização Mundial de Saúde (OMS), cuja estrutura já não atende mais a necessidades e demandas mundiais. Portanto, é central questionar a distribuição de poder da governança global e propugnar por uma reforma substantiva da OMS", concluiu.

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