11/05/2012
SUS + 10: novo fôlego por mais recursos
Maíra Mathias - Revista Poli
Conheça bandeira e desafios do movimento que planeja reacender a discussão do subfinanciamento da saúde
Após meses de preparação, mais de 60 entidades da sociedade civil
reunidas no recém-criado Movimento Nacional em Defesa da Saúde Pública
lançaram a campanha ‘SUS + 10’, que busca garantir que a União destine
10% de suas receitas correntes brutas para o Sistema Único de Saúde. A
iniciativa, apresentada no dia 17 de abril em Brasília, segue os mesmos
passos da Lei da Ficha Limpa – enviada à Câmara dos Deputados na forma
de projeto de lei de iniciativa popular – e precisa coletar a assinatura
de 1,5 milhão de brasileiros (1% do eleitorado nacional) em pelo menos
cinco estados para chegar às mãos dos parlamentares. Em cifras atuais, a
medida significaria algo em torno de R$ 33,5 bilhões a mais no
orçamento do Ministério da Saúde, que depois de sofrer um
contingenciamento de cinco bilhões este ano, ficou em R$ 72,1 bilhões.
A briga é contra a regra de investimento vigente para o governo federal.
Embora tenha sido recém-regulamentada, por meio da Lei Complementar 141
sancionada em janeiro deste ano, a norma diferencia a União de estados e
municípios. Enquanto os dois últimos devem comprometer,
respectivamente, 12% e 15% do orçamento em ações de saúde, a lei não
fixa um percentual mínimo para o governo federal – o consenso gira em
torno dos 10% que abrem essa matéria. Dessa forma, o orçamento anual do
Ministério da Saúde é calculado segundo o valor investido no exercício
anterior acrescido da variação nominal do Produto Interno Bruto (PIB),
que corresponde à inflação do período mais o crescimento da economia.
Segundo contabilizam especialistas, essa forma corresponderia a 7% das
receitas correntes brutas hoje.
“Os movimentos sociais em defesa do SUS sofreram uma derrota com a
regulamentação da Emenda Constitucional 29 através da Lei Complementar
141. Estamos há anos lutando por mais recursos para a saúde e, com a
lei, nós não os obtivemos, por parte da União”. A frase é do conselheiro
Fernando Luiz Eliotério, coordenador da Comissão de Orçamento e
Financiamento do Conselho Nacional de Saúde (Cofin/CNS), mas poderia ter
sido dita por muitos militantes do campo da saúde pública, que
alimentaram por 11 anos – tempo de tramitação do projeto de lei que se
transformou na LC 141 – a esperança de que a regulamentação da EC 29
avançasse na resolução do problema do financiamento.
Foi assim que, algumas semanas após a sanção da lei, no calor da
insatisfação com parlamentares e governo, a Ordem dos Advogados do
Brasil (OAB) se uniu à Associação Médica Brasileira (AMB) para anunciar a
criação de uma ‘Frente Nacional por Mais Recursos na Saúde’, que, dois
meses depois, desembocaria no Movimento Nacional em Defesa da Saúde
Pública. A ideia resgatava a bandeira dos 10%, emulando outro movimento,
o Primavera da Saúde, criado no ano passado para pressionar o Congresso
a votar a regulamentação de uma vez por todas. Rapidamente, a pauta dos
10% conquistou o apoio de entidades diretamente ligadas à saúde, como o
próprio CNS e o Centro Brasileiro de Estudos de Saúde (Cebes), mas não
só: também aderiram organizações da sociedade civil como a União
Nacional dos Estudantes (UNE) e a Central Única dos Trabalhadores (CUT),
para citar algumas.
De acordo com o conselheiro nacional de saúde Ronald Ferreira dos
Santos, que também esteve à frente do Primavera, a nova campanha aposta
no consenso para angariar o apoio de muitas entidades. “A estratégia
adotada foi limpar a área em torno das divergências e aglutinar o máximo
possível de organizações da sociedade que entendem que a saúde é
subfinanciada. Hoje, entre os atores que defendem o SUS, existe um
conjunto grande de temas divergentes, como a respeito da gestão, por
exemplo. Buscar a proposta mais possível é uma tentativa de ter lastro
amplo na sociedade para que a União repasse os 10%, que é a proposta
original de vários movimentos desde o advento da Emenda 29”, analisa.
O vice-presidente do Cebes, Alcides Miranda, complementa: “O importante é
a convergência de que há subfinanciamento. Não se trata do falso dilema
entre financiamento e gestão, nenhuma das entidades concorda com a
armadilha de que ‘há dinheiro, mas a gestão é ruim’. A partir daí, temos
a postura de trabalhar em torno do que nos une e discutir, no momento
oportuno, as alternativas para garantir esse financiamento”.
Mais recursos: de onde, para onde?
De onde sairiam os recursos? A luta pelos 10% significa também marcar
posição para que a totalidade dos recursos seja destinada ao setor
público gerido diretamente pelos governos? Essas são algumas das
perguntas cujas respostas somente a correlação de forças construída ao
longo da campanha será capaz de apontar. Isso porque, hoje, o consenso
em torno do subfinanciamento tem unido desde militantes a setores
empresariais.
Na avaliação do professor-pesquisador da Escola Politécnica de Saúde
Joaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz) e membro da Frente Nacional Contra a
Privatização da Saúde Geandro Pinheiro, é preciso politizar o debate
para que prevaleça o interesse público. “Precisamos de mais dinheiro,
não há como ser contra manifestações políticas que lutem por mais
recursos para a saúde. Por outro lado, um movimento em defesa da saúde
pública não implica apenas em lutar por mais dinheiro. Não queremos mais
dinheiro para a saúde per se e, sim, que fundos públicos financiem a
prestação de serviços públicos”, justifica, detalhando: “Temos que
politizar a discussão, vinculando outras categorias de análise. A
privatização está muito forte, cada vez mais os fundos públicos vão para
o setor privado, seja via renúncia fiscal para quem tem plano de saúde,
seja via prestação de serviços, como no caso das OSs [Organizações
Sociais]. Olhar as contradições e determinantes do subfinanciamento é
essencial para gerar um debate franco, não apenas em nome de uma pauta
que unifique, mas não politize o debate. Não podemos correr o risco de o
aumento dos recursos da saúde ser simultâneo ao avanço da
privatização”.
Alcides Miranda, pelo Cebes, e Fernando Eliotério, pela Confederação
Nacional das Associações de Moradores (Conam), revelam que as entidades
que representam são a favor da aplicação dos 10% nos serviços públicos.
“É o posicionamento do Conselho Nacional de Saúde. Mas, dentro do
Movimento, não é consensual, inclusive não é algo que foi ou será
discutido porque desagrega. Precisamos agora de uma mobilização grande
para conseguir as assinaturas. Vamos discutir as alternativas
concomitantemente, com a campanha na rua”, afirma Alcides, para quem o
corpo a corpo da militância com a população é das iniciativas mais
relevantes da campanha: “O processo de ir às ruas, argumentar, fazer o
convencimento e inclusive esclarecer – porque a grande mídia muitas
vezes passa uma visão deturpada – é de suma importância porque traz em
seu bojo a discussão sobre o peso do setor saúde e o modo como ele vem
sendo desprezado, pois é anunciado sempre como prioridade em campanhas
eleitorais, mas na prática há um desprezo governamental, não só por
parte da esfera federal, em quase todos os governos a saúde acaba
virando moeda eleitoral”.
Um posicionamento unificado diante da grande variedade de projetos em
pauta no tocante ao financiamento por enquanto também não está no
horizonte do Movimento. “Há setores que apontam a necessidade de novas
fontes; outros que os recursos existem, basta mudar a prioridade da
política econômica. Essa discussão, necessária, será feita no processo
de politização do debate. O próprio CNS deliberou como bandeira para
este ano a taxação das grandes fortunas e a garantia dos recursos do
pré-sal. Várias proposições estão colocadas, mas elas ficam por conta
das organizações”, explica Ronald. Segundo ele, a necessidade de focar
nos 10% se relaciona com a própria natureza do processo do projeto de
lei de iniciativa popular. “Não se pode buscar assinaturas para uma
proposta genérica. Ela deve ser objetiva, clara e o mais simples
possível”.
Quanto falta?
Embora os 10% das receitas correntes brutas da União – R$ 33,5 bilhões –
seja uma forma de incrementar o gasto público com saúde, projeções dão
conta de que o SUS precisaria de muito mais. O próprio ministro da
Saúde, Alexandre Padilha, admitiu no ano passado no plenário do
Congresso que o déficit estimado pela pasta é de R$ 45 bi. No entanto,
não há um valor único: a estimativa varia conforme parâmetros e
metodologias de cálculo.
De acordo com as contas do médico especialista em saúde pública Gilson
Carvalho, divulgadas no site da campanha SUS + 10, para se equiparar ao
gasto do valor por usuário dos planos e seguros de saúde, que, em 2010,
chegou a R$ 1.560 por pessoa, as três esferas de governo deveriam,
juntas, injetar R$ 162 bilhões a mais no SUS. Com uma diferença: planos e
seguros não ofertam imunização, vigilância sanitária e muitas outras
ações que o Sistema Único tem a obrigação de oferecer. No Brasil, 53%
dos gastos com saúde são privados e alcançam 46 milhões de conveniados. O
restante dos investimentos são públicos e precisam beneficiar os 190
milhões de habitantes do país.
Quando comparado a outros países, o Brasil também se sai mal no
percentual do PIB destinado à saúde pelo setor público. Os últimos
dados, de 2010, mostram que os governos aplicaram apenas 3,8% do PIB
brasileiro – que totaliza R$ 3,6 trilhões – no SUS. A média do gasto
público internacional, de acordo com a Organização Mundial da Saúde, é
de 5,5%. Para chegar lá, o país teria de acrescentar R$ 60 bi aos R$ 138
bilhões gastos no ano passado. Para se equiparar às nações de maior
renda, que investem 6,7% do PIB, o país necessitaria de R$ 742 bi.
Segundo Gilson, o Ministério da Saúde já foi responsável por 75% do
financiamento da saúde na década de 1980. Em 2010, essa proporção
encolheu para 45%. No mesmo ano, estados foram responsáveis por 27% e
municípios por 28%. Quando relacionado ao PIB, o gasto da União alcança
1,7% daqueles 3,8% de gastos públicos com saúde. Caso a o projeto de lei
de iniciativa popular ‘vingue’ – entre na pauta do Congresso, seja
aprovada e sancionada pela Presidência da República – os gastos do
governo federal passarão a representar 2,5% do PIB.
Saiba mais: Visite o site da campanha ‘SUS + 10’
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