Doenças crônicas e violência são desafios para nosso país
ENSP, publicada em 16/09/2011
Isabela Schincariol"Oitenta por cento dos óbitos por doenças crônicas não transmissíveis ocorrem em países de baixa ou média renda", afirmou Gulnar Azevedo e Silva durante a apresentação do artigo Chronic non-communicable diseases in Brazil: burden and current challenges, que integra o volume especial sobre a saúde dos brasileiros da revista inglesa Lancet. A segunda parte do Centro de Estudos comemorativo dos 57 anos da ENSP contou também com a presença de Michael Eduardo Reichenheim, cuja apresentação abordou o efeito, avanços e desafios da violência no Brasil. Segundo ele, no país, há um legado desfavorável de exclusão, desigualdade, pobreza, impunidade e corrupção.
De acordo com Gulnar, doenças cardiovasculares, diabetes, câncer e doenças respiratórias são desafios para o mundo, sendo os principais fatores de risco o fumo, o uso prejudicial de álcool, sedentarismo e alimentação pouco saudável. "Em 1930, a mortalidade por doenças infecciosas representava 46% do total. Em 2007, elas caíram para 10%. Porém, em contrapartida, as doenças crônicas não transmissíveis (DCNT) passaram a representar 72% da mortalidade no Brasil. Mas, em uma análise de 1996 a 2007, foi observada a diminuição das taxas de mortalidade por doenças cardiovasculares e respiratórias crônicas, provavelmente como resultado do controle do tabagismo e do maior acesso à atenção primária", disse ela. Vale ressaltar que todos os dados são baseados em sistemas de informações e pesquisas.
Analisando a carga de doença e usando o indicador Daly (Disability Adjusted Life of Years) - baseado na soma dos componentes Anos de Vida Perdidos por Morte Prematura (YLL) e Anos Vividos com Incapacidade (YLD) -, Gulnar apontou que as DCNT são responsáveis por 66% do total de Daly, ou seja, dos anos de vida saudáveis que foram perdidos. "Deste número, 19% são representados por neuropsiquiatrias, seguidos de 13% de doenças cardiovasculares, 8% de doenças respiratórias crônicas, 6% de câncer, 6% de doenças musculoesqueléticas e 5% de diabetes", relatou, dizendo ainda que as DCNT são as principais fontes da carga de doença no Brasil, e políticas importantes para sua prevenção e controle têm sido implementadas no país.
"A doença crônica não é a que se desenvolve na vida adulta. Ela começa na gravidez, na primeira infância, na adolescência... E é a soma desses riscos que vão produzir a doença", falou. Portanto, na opinião de Gulnar, o SUS precisa ser fortalecido para oferecer assistência aos portadores de DCNT mediante modelos de atenção a condições crônicas com base em experiências locais; expandir e qualificar a Estratégia Saúde da Família; ampliar o acesso a medicamentos custo-efetivos; viabilizar maior comunicação entre a atenção básica e outros níveis de cuidado; e aperfeiçoar a detecção imediata e o tratamento de indivíduos com cânceres potencialmente curáveis.
Gulnar concluiu dizendo que tendências desfavoráveis na maioria dos principais fatores de risco mostram a necessidade de ações adicionais e oportunas de promoção e prevenção da saúde, especialmente na forma de legislação e regulamentação, e daquelas que permitem cuidados crônicos de qualidade. "Além disso, o fortalecimento dos vínculos entre o governo, as instituições acadêmicas e a sociedade civil facilitará a resposta da sociedade ao desafio das DCNT."
Violência é a sexta maior causa de internações hospitalares e, até 2007, representava 12,5% dos óbitos no país
Para a apresentação do artigo Violence and injuries in Brazil: the effect, progress made, and challenges ahead, Michael Eduardo Reichenheim trouxe dados de homicídios, violência doméstica, lesões e óbitos relacionados ao trânsito. De acordo com ele, a violência é um problema de saúde pública importante no Brasil por ser fonte de uma grande parcela das morbidades e mortalidades, que resultam em altos custos individuais e coletivos. "Homens jovens, negros e pobres são as principais vítimas e os principais agressores em relação à violência comunitária, ao passo que mulheres e crianças negras e pobres são as principais vítimas da violência doméstica. Contudo, além dos determinantes socioculturais, parte da violência no Brasil tem sido associada ao uso indevido de álcool, às drogas ilícitas e à ampla disponibilidade de armas de fogo", comentou ele.
Em relação aos homicídios, "as taxas que vinham subindo desde 1990 começaram a decrescer desde o início dos anos 2001. Os números mostram grandes diferenças regionais. Nordeste, Norte e Centro-Oeste apresentam os maiores índices, com 36,8%, 34,1% e 29,6% respectivamente. Sobre a violência doméstica, uma média de diferentes estudos entre os anos de 1995 e 2010 revela as incidências entre parceiros íntimos (22,8%), contra criança e adolescente (15,7%) e contra os idosos (10%). Estamos na média da América Latina, porém muito abaixo de países como EUA, Inglaterra e Holanda. É preciso refletir sobre o que estamos vivendo dentro de casa e não ficarmos apenas estarrecidos; observar como isso repercute em relação a outras violências não domésticas e começar a agir", disse Michael.
Sobre os óbitos relacionados ao trânsito, Michael comentou que houve declínio após 1998 e uma estagnação subsequente. Apesar do declínio, pedestres ainda são as maiores vítimas. Segundo ele, entre os principais fatores de risco estão o desrespeito às normas de segurança, direção associada ao uso e efeito de álcool, estresse, fiscalização precária etc. Ele alertou que, além das consequências físicas e psicológicas, isso gera enormes custos para o sistema. Michael finalizou ressaltando que, "em resposta aos maiores problemas de violência e lesões, o Brasil fez grandes avanços em termos de legislação e planos de ação. Entretanto, o seu principal desafio é avaliar esses avanços para identificar, estender, integrar e manter as experiências bem-sucedidas".
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