14ª CNS: Gestão do SUS
André Antunes - Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz)
Desafios para a gestão pública dos serviços, do trabalho e da educação terão destaque nos debates.
A gestão ineficiente é com frequência apontada como um entrave para a implementação do Sistema Único de Saúde (SUS). A 14ª Conferência Nacional de Saúde será uma oportunidade para profissionais de saúde, gestores e usuários do SUS discutirem propostas para solucionar os problemas nesse campo, como forma de garantir a qualidade do acesso e do acolhimento no atendimento. Um dos sub-eixos da Conferência será: ‘Gestão do SUS (Financiamento; Pacto pela Saúde e Relação Público x Privado; Gestão do Sistema, do Trabalho e da Educação em Saúde)’.
O desafio para a gestão pública dos serviços do SUS, em um contexto de embate entre o público e o privado na saúde, é objeto de reportagens da revista Poli desde a edição 16. Já o financiamento, também abordado em números anteriores, é discutido com mais detalhes na reportagem desta edição sobre a Emenda Constitucional 29 . Nesta matéria, o enfoque será as principais demandas na área da gestão do trabalho e da educação na saúde e a descentralização e regionalização do SUS.
Valorização do trabalhador
A gestão eficiente do SUS, como aponta o documento orientador da 14ª Conferência, passa por uma política de valorização dos profissionais de saúde. A precarização dos vínculos e a falta de perspectivas de carreira deverão ser levadas em conta nos debates. “Um número elevado de profissionais trabalham sob contratos precários, principalmente na atenção básica, em que é fundamental garantir vínculos maiores entre profissionais e comunidade”, diz Pedro Tourinho, do Conselho Nacional de Saúde (CNS). Para ele, é necessário frear a terceirização da gestão, expressa atualmente no aumento da participação das Organizações Sociais (OS) em vários estados.
Segundo a pesquisa ‘Precarização e Qualidade do Emprego no Programa Saúde da Família’, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), em 2006, 68,6% dos médicos, 60,5% dos enfermeiros, 63,2% dos dentistas, 41,7% dos técnicos e auxiliares de enfermagem e 52,6% dos Agentes Comunitários de Saúde das equipes de Saúde da Família no Brasil trabalhavam sob vínculos empregatícios precários. “A definição de trabalho precário é mais abrangente do que a contratação formal do profissional. Ela inclui baixa remuneração, condições ruins de segurança ocupacional e falta de representação e negociação coletiva”, ressalta Denise Motta, diretora do Departamento de Gestão e da Regulação do Trabalho, na Secretaria de Gestão da Educação e do Trabalho do Ministério da Saúde (Degerts/SGTES/MS). Ela afirma que o Degerts ainda não tem dados mais atuais sobre a precarização no SUS, mas que está “trabalhando na atualização do Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde para fazer a junção e sistematização de dados sobre a força de trabalho em saúde no Brasil”.
A falta de perspectivas de carreira para os trabalhadores da saúde, segundo o CNS, é outro fator que coloca em xeque a gestão do SUS. A lei 8.142/90 estabeleceu que os municípios, estados e Distrito Federal criassem comissões para elaboração do Plano de Carreiras, Cargos e Salários (PCCS) no SUS, como um dos pré-requisitos para o recebimento de recursos por parte do governo federal. No entanto, isso não foi suficiente para garantir a implantação dos planos em todo o país. “Atualmente estamos debatendo a regulamentação do decreto 7.508 , ressaltando a importância de, no Contrato Organizativo de Gestão Pública, as ações relacionadas à gestão e educação do trabalho em saúde – como democratização das relações de trabalho, desprecarização e carreira multiprofissional – estarem expressamente descritas como metas a serem alcançadas pelos gestores nas três esferas”, aponta Denise Motta.
Educação Permanente
Pedro Tourinho espera que também sejam discutidas na 14ª CNS demandas referentes à formação de profissionais. Nesse campo, segundo ele, deverá ter destaque a busca pela consolidação da educação permanente em saúde, estratégia baseada na integração entre a educação e o trabalho no SUS. “Hoje há um predomínio da formação de profissionais por meio de cursinhos, de pacotes de conhecimentos pré-formatados. Precisamos incrementar esse processo de formação com as tecnologias que levem em conta elementos de caráter político e econômico do atendimento à saúde, seguindo a lógica da educação permanente como ela foi pensada em 2004”, diz Tourinho.
Ele faz referência ao ano de edição da Portaria 198, que instituiu a Política Nacional de Educação Permanente em Saúde (Pneps), criando os Pólos de Educação Permanente em Saúde. Essas seriam as instâncias regionais de articulação entre instituições formadoras, gestores, serviços e controle social para definir prioridades e formular projetos pedagógicos. Carlos Maurício Barreto, professor-pesquisador da EPSJV, afirma que a Pneps foi concebida como uma tentativa de “superar uma concepção sobre gestão do trabalho que, em termos da qualificação, considerava os trabalhadores como ‘recursos humanos’”. Segundo ele, essa concepção via como “inevitável a primazia do mercado e a perda de direitos da classe trabalhadora”. Ele conclui: “Com isso, a formação ficava muito voltada à adaptação dos trabalhadores a essa realidade”.
No ano seguinte, em 2007, por meio da Portaria 1.996, foram estabelecidas as diretrizes para a implementação da Pneps, sendo criadas as Comissões Permanentes de Integração Ensino-Serviço (Cies) – substituindo os Pólos – e os Colegiados de Gestão Regional (CGR), reunindo gestores de todos os territórios abrangidos pelas regiões de saúde. “Com isso mudaram-se as bases de alocação de recursos e de decisão sobre a educação permanente, e a corrente anterior voltou a ser predominante”, analisa Carlos Maurício. “Hoje, apesar de ainda se falar em Educação Permanente em Saúde, não se busca discutir as necessidades de qualificação para além da reprodução dessa ‘cara’ atual do mundo do trabalho”, diz.
Municipalização e regionalização
A descentralização político-administrativa e a regionalização da rede de serviços do SUS são princípios previstos na Constituição Federal e na Lei Orgânica da Saúde. Segundo o professor-pesquisador da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz), Gilberto Estrela, a descentralização definiu os municípios como base de alocação de recursos e de organização do sistema e ampliou o acesso aos serviços de atenção básica, que, segundo ele, hoje chegam a 90% dos municípios brasileiros. O problema é que a maioria deles não tem capacidade para oferecer atenção em todos os níveis de complexidade. “Cerca de 80% das cidades brasileiras são de pequeno porte, e não têm recursos para prover ações de média e alta complexidade”, diz Estrela.
A partir da promulgação da Norma Operacional da Assistência à Saúde (NOAS), em 2001, foi dada maior ênfase à regionalização. “Mais tarde isso foi incorporado no Pacto pela Saúde . A ideia é que os serviços de atenção básica nos municípios de pequeno porte encaminhem os pacientes para os serviços mais complexos localizados nos municípios de grande porte”, afirma Gilberto.
Para Pedro Tourinho, o decreto 7.508, promulgado em junho, pode significar avanços na regionalização. O decreto visa à estruturação das regiões de saúde, que são áreas constituídas por vários municípios limítrofes em que a organização, planejamento e execução das ações e serviços de saúde são integrados. Segundo ele, a principal inovação do decreto é a instituição do Contrato Organizativo da Ação Pública da Saúde (COAP), assinado entre os entes federados para consolidar as regiões de saúde e prover o atendimento integral à população dos municípios circunscritos a ela.
Gilberto Estrela, contudo, aponta que falta infraestrutura para garantir a integralidade, principalmente nas áreas afastadas dos grandes centros urbanos. Ele afirma que, hoje, a rede de média e alta complexidade do SUS encontra-se muito centralizada e privatizada. “A rede que nós temos é do sistema antigo, com os hospitais públicos muito polarizados nos grandes municípios e nas capitais” diz, completando: “Quando as pessoas nas cidades pequenas precisam de atendimento mais complexo, são forçadas a fazer uma viagem longa. Para garantir a integralidade seria preciso ter mais recursos, para ampliar a rede de média e alta complexidade do SUS”.
O desafio para a gestão pública dos serviços do SUS, em um contexto de embate entre o público e o privado na saúde, é objeto de reportagens da revista Poli desde a edição 16. Já o financiamento, também abordado em números anteriores, é discutido com mais detalhes na reportagem desta edição sobre a Emenda Constitucional 29 . Nesta matéria, o enfoque será as principais demandas na área da gestão do trabalho e da educação na saúde e a descentralização e regionalização do SUS.
Valorização do trabalhador
A gestão eficiente do SUS, como aponta o documento orientador da 14ª Conferência, passa por uma política de valorização dos profissionais de saúde. A precarização dos vínculos e a falta de perspectivas de carreira deverão ser levadas em conta nos debates. “Um número elevado de profissionais trabalham sob contratos precários, principalmente na atenção básica, em que é fundamental garantir vínculos maiores entre profissionais e comunidade”, diz Pedro Tourinho, do Conselho Nacional de Saúde (CNS). Para ele, é necessário frear a terceirização da gestão, expressa atualmente no aumento da participação das Organizações Sociais (OS) em vários estados.
Segundo a pesquisa ‘Precarização e Qualidade do Emprego no Programa Saúde da Família’, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), em 2006, 68,6% dos médicos, 60,5% dos enfermeiros, 63,2% dos dentistas, 41,7% dos técnicos e auxiliares de enfermagem e 52,6% dos Agentes Comunitários de Saúde das equipes de Saúde da Família no Brasil trabalhavam sob vínculos empregatícios precários. “A definição de trabalho precário é mais abrangente do que a contratação formal do profissional. Ela inclui baixa remuneração, condições ruins de segurança ocupacional e falta de representação e negociação coletiva”, ressalta Denise Motta, diretora do Departamento de Gestão e da Regulação do Trabalho, na Secretaria de Gestão da Educação e do Trabalho do Ministério da Saúde (Degerts/SGTES/MS). Ela afirma que o Degerts ainda não tem dados mais atuais sobre a precarização no SUS, mas que está “trabalhando na atualização do Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde para fazer a junção e sistematização de dados sobre a força de trabalho em saúde no Brasil”.
A falta de perspectivas de carreira para os trabalhadores da saúde, segundo o CNS, é outro fator que coloca em xeque a gestão do SUS. A lei 8.142/90 estabeleceu que os municípios, estados e Distrito Federal criassem comissões para elaboração do Plano de Carreiras, Cargos e Salários (PCCS) no SUS, como um dos pré-requisitos para o recebimento de recursos por parte do governo federal. No entanto, isso não foi suficiente para garantir a implantação dos planos em todo o país. “Atualmente estamos debatendo a regulamentação do decreto 7.508 , ressaltando a importância de, no Contrato Organizativo de Gestão Pública, as ações relacionadas à gestão e educação do trabalho em saúde – como democratização das relações de trabalho, desprecarização e carreira multiprofissional – estarem expressamente descritas como metas a serem alcançadas pelos gestores nas três esferas”, aponta Denise Motta.
Educação Permanente
Pedro Tourinho espera que também sejam discutidas na 14ª CNS demandas referentes à formação de profissionais. Nesse campo, segundo ele, deverá ter destaque a busca pela consolidação da educação permanente em saúde, estratégia baseada na integração entre a educação e o trabalho no SUS. “Hoje há um predomínio da formação de profissionais por meio de cursinhos, de pacotes de conhecimentos pré-formatados. Precisamos incrementar esse processo de formação com as tecnologias que levem em conta elementos de caráter político e econômico do atendimento à saúde, seguindo a lógica da educação permanente como ela foi pensada em 2004”, diz Tourinho.
Ele faz referência ao ano de edição da Portaria 198, que instituiu a Política Nacional de Educação Permanente em Saúde (Pneps), criando os Pólos de Educação Permanente em Saúde. Essas seriam as instâncias regionais de articulação entre instituições formadoras, gestores, serviços e controle social para definir prioridades e formular projetos pedagógicos. Carlos Maurício Barreto, professor-pesquisador da EPSJV, afirma que a Pneps foi concebida como uma tentativa de “superar uma concepção sobre gestão do trabalho que, em termos da qualificação, considerava os trabalhadores como ‘recursos humanos’”. Segundo ele, essa concepção via como “inevitável a primazia do mercado e a perda de direitos da classe trabalhadora”. Ele conclui: “Com isso, a formação ficava muito voltada à adaptação dos trabalhadores a essa realidade”.
No ano seguinte, em 2007, por meio da Portaria 1.996, foram estabelecidas as diretrizes para a implementação da Pneps, sendo criadas as Comissões Permanentes de Integração Ensino-Serviço (Cies) – substituindo os Pólos – e os Colegiados de Gestão Regional (CGR), reunindo gestores de todos os territórios abrangidos pelas regiões de saúde. “Com isso mudaram-se as bases de alocação de recursos e de decisão sobre a educação permanente, e a corrente anterior voltou a ser predominante”, analisa Carlos Maurício. “Hoje, apesar de ainda se falar em Educação Permanente em Saúde, não se busca discutir as necessidades de qualificação para além da reprodução dessa ‘cara’ atual do mundo do trabalho”, diz.
Municipalização e regionalização
A descentralização político-administrativa e a regionalização da rede de serviços do SUS são princípios previstos na Constituição Federal e na Lei Orgânica da Saúde. Segundo o professor-pesquisador da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz), Gilberto Estrela, a descentralização definiu os municípios como base de alocação de recursos e de organização do sistema e ampliou o acesso aos serviços de atenção básica, que, segundo ele, hoje chegam a 90% dos municípios brasileiros. O problema é que a maioria deles não tem capacidade para oferecer atenção em todos os níveis de complexidade. “Cerca de 80% das cidades brasileiras são de pequeno porte, e não têm recursos para prover ações de média e alta complexidade”, diz Estrela.
A partir da promulgação da Norma Operacional da Assistência à Saúde (NOAS), em 2001, foi dada maior ênfase à regionalização. “Mais tarde isso foi incorporado no Pacto pela Saúde . A ideia é que os serviços de atenção básica nos municípios de pequeno porte encaminhem os pacientes para os serviços mais complexos localizados nos municípios de grande porte”, afirma Gilberto.
Para Pedro Tourinho, o decreto 7.508, promulgado em junho, pode significar avanços na regionalização. O decreto visa à estruturação das regiões de saúde, que são áreas constituídas por vários municípios limítrofes em que a organização, planejamento e execução das ações e serviços de saúde são integrados. Segundo ele, a principal inovação do decreto é a instituição do Contrato Organizativo da Ação Pública da Saúde (COAP), assinado entre os entes federados para consolidar as regiões de saúde e prover o atendimento integral à população dos municípios circunscritos a ela.
Gilberto Estrela, contudo, aponta que falta infraestrutura para garantir a integralidade, principalmente nas áreas afastadas dos grandes centros urbanos. Ele afirma que, hoje, a rede de média e alta complexidade do SUS encontra-se muito centralizada e privatizada. “A rede que nós temos é do sistema antigo, com os hospitais públicos muito polarizados nos grandes municípios e nas capitais” diz, completando: “Quando as pessoas nas cidades pequenas precisam de atendimento mais complexo, são forçadas a fazer uma viagem longa. Para garantir a integralidade seria preciso ter mais recursos, para ampliar a rede de média e alta complexidade do SUS”.
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