segunda-feira, 5 de setembro de 2011

Resíduos sólidos dos serviços de saúde, artigo de Roberto Naime

Publicado em setembro 5, 2011 por HC

[EcoDebate] Resíduos sólidos de serviços de saúde são todos os resíduos gerados por estabelecimentos prestadores de serviços de saúde: hospitais, clínicas médicas e odontológicas, laboratórios de análises clínicas e postos de coleta, ambulatórios médicos, farmácias e drogarias, unidades municipais de saúde (postos da rede pública), clínicas veterinárias e instituições de ensino e pesquisa médica, relacionados tanto à população humana quanto à veterinária (COELHO, 2000; NÓBREGA et al., 2002).

Dentro de uma instituição hospitalar, várias são as dimensões da questão ambiental, todas elas muito importantes, complexas e dignas de tratamento sério e sistêmico em seu conjunto. No entanto é inegável a emergência e a criticidade da gestão dos resíduos hospitalares ou resíduos dos serviços de saúde.

Entre as principais causas do crescimento da geração de resíduos dos serviços de saúde, está o contínuo incremento da complexidade dos procedimentos e a universalização do sistema (SANCHES, 1995).

Além de reunir um grande e variado número de portadores de doenças, o hospital gera um volume de resíduos que são considerados perigosos à saúde e ao meio ambiente, portanto a implantação de ações que minimizem estes impactos é fundamental.

A medicina somente tornou-se uma prática hospitalar no século XVIII. O hospital até essa época era um local de acúmulo de doentes, ou seja, era um foco de doenças que causavam efeitos negativos à saúde e ao meio ambiente. Alguns estudos começam a ser desenvolvidos com o objetivo de avaliar as funcionalidades do hospital sob o ponto de vista de seus impactos, inicia-se a preocupação com o hospital em relação ao espaço que está situado e sua ligação com a cidade. O hospital precisa ser localizado em um espaço que não seja favorável à propagação de “miasmas, ar poluído e água suja” (FOUCAULT, apud DIAS, 2004).

Ampliando as discussões sobre os riscos associados aos resíduos do serviço da saúde, trabalhos científicos confirmam o reconhecimento dos riscos desses resíduos pela sobrevivência de agentes dotados de elevada resistência às condições ambientais. De forma a destacar outras características peculiares de agentes biológicos na presença de resíduos do serviço de saúde, recente estudo realizado pela Associação de Pesquisa Japonesa, apresentando o estágio ambiental de patógenos nesses resíduos, foi demonstrado a possibilidade de sobrevivência da dose infectante do vírus da Hepatite B ou C, durante uma semana, em uma gota de sangue retirada de uma agulha hipodérmica (PRUSS et al., 1999).

Deste cenário de avaliação de risco envolvendo algumas frações específicas dos RSSS, há consideração de outros possíveis mecanismos de sobrevivência de patógenos na massa desses resíduos, como por exemplo, os materiais biológicos contaminados que podem se constituir em importantes veículos para os microrganismos produtores de doenças, quando não devidamente manuseados ou tratados adequadamente.

No contexto nacional, as opiniões divergentes sobre o risco de periculosidade dos RSS, na sua maioria, são direcionadas à ausência de fatos que comprovem que esses resíduos causem doenças nas pessoas que desenvolvem atividades nos serviços de saúde (SILVA, 2001). Por outro lado, a literatura relata a importância de riscos infecciosos associados aos resíduos sólidos do serviço da saúde, principalmente aos materiais perfurocortantes, como principal perigo à saúde ocupacional (FERREIRA, 1995)

Estes dados estimulam a discussão sobre a forma de gestão dos resíduos hospitalares e dos serviços de saúde em geral. Os interesses econômicos práticos aumentam ainda mais esta discussão. Bencko et al. (2003) discutindo a situação do Hospital Geral de Praga, instituição fundada em 1790, demonstram que o custo para disposição de resíduos comuns é de 75 euros, enquanto o custo para tratamento e disposição dos resíduos infectantes de natureza hospitalar atinge 260 euros/ tonelada. Esses autores asseguram que essa diferença é significativa no orçamento da instituição e justifica o estabelecimento de desafios futuros para aprimorar os tratamentos na instituição.

Conforme Miyazaki et al. (2005), no Japão, os resíduos infecciosos não são coletados e transportados pelo governo municipal, portanto, as instituições médicas são responsáveis pela despesa, e devem contratar empresa específica autorizada para o tratamento desses resíduos. O custo da coleta e transporte está transformando-se em matéria séria. O preço é determinado conforme a quantidade, distância e frequencia do transporte e preço do recipiente. O padrão dos recipientes foi regulado em 1995. Os preços para tratamento desses resíduos estão estimados entre yen 100-150/kg ou seja, variam de 900,00 a 1.300,00 dólares/tonelada.

No Japão, Miyazaki et al. (2005) citam que as práticas de gestão de resíduos são feitas de acordo com a “Waste Disposal Law” de 1970, sendo que a gestão de resíduos infecciosos foi regulamentada em 1992, sendo revisada em 2004.

O Hospital Geral Universitário (GUH) de Praga, tem sua própria diretriz para o gerenciamento de todos os tipos de resíduos. Uma pessoa é nomeada como responsável para o tratamento dos resíduos para controlar os mesmos em cada área de trabalho, clínica e instituto. A gerência operacional é responsável por todos os resíduos do hospital. A diretriz orientadora lista regras básicas para segurança, medidas pessoais de proteção e emergências em caso de acidentes, baseada na lei de proteção à saúde pública.

No GUH a idéia predominante sugere abandonar a filosofia anterior de que todos os resíduos hospitalares devem ser incinerados. Deve haver promoção de um sistema para separar material contaminado do não contaminado. Isto permitirá a reciclagem.

Ainda Bencko et. al (2003) cita a recomendação crucial da Conferência de Copenhagen em maio de 1991: separar resíduos perigosos dos não perigosos que não requerem nenhuma manipulação ou eliminação especial.

No Brasil, um hospital com 700 leitos produz aproximadamente 20 tonelada/mês de resíduos biológicos. Considerando os valores praticados no nosso mercado, que podem variar muito de uma região para outra, mas que em Porto Alegre está em média R$ 1000,00/tonelada; a estimativa é de que os hospitais de grande porte estejam gastando R$ 20.000,00/mês com o tratamento desses resíduos.

No caso brasileiro, embora algumas ações estejam em curso para alterar a forma de visão e gestão atual, observa-se que a maioria dos resíduos ainda é considerada como perigosa (infectante ou especial). Essa visão tem como premissa que todo resíduo originado do sistema de saúde esteja contaminado, gerando um preconceito que induz a uma negligência nas políticas de gestão (NAIME et al, 2004).

A ideia predominante sugere abandonar a filosofia anterior de que todos os resíduos hospitalares devem ser tratados como infecciosos. Deve haver promoção de um sistema para separar material contaminado do não contaminado. A recomendação crucial da Conferência de Copenhagen em maio de 1991 é separar resíduos perigosos dos não perigosos que não requerem nenhuma manipulação e eliminação especial (BENCKO et al., 2003).

No Brasil, há mais de 30 mil unidades de saúde produzindo esses resíduos, e na maioria das cidades, a questão do manuseio e da disposição final não está resolvida, e acrescenta-se que algumas unidades de saúde desconhecem a quantidade e a composição dos resíduos que produzem (FERREIRA, 1995).

Em serviços de saúde, especificamente, o grande aumento de demanda verificado desde a implantação do Sistema Único de Saúde (SUS) no Brasil, que não foi acompanhado por dotações orçamentárias do mesmo porte, e que portanto, geraram uma defasagem na administração global do sistema, e a crescente utilização de materiais descartáveis como forma de controle mais eficiente das infecções e outros fatores associados, tem contribuído decisivamente para o aumento da geração de resíduos.

A população brasileira tem se concentrado, cada vez mais nas áreas urbanas, e a expectativa de vida média do brasileiro vem crescendo. Estes fatores também se somam aos anteriores nas justificativas para o aumento da geração de resíduos dos serviços de saúde. Também influem na natureza e na quantidade dos resíduos produzidos fatores culturais regionais e procedimentos adotados, que dependem de fatores sazonais e até do tipo de alimentação adotado (FORMAGGIA, 1995).

Para Petranovich (1991) o volume dos resíduos dos serviços de saúde tem crescido a uma taxa de 3% por ano, devido ao fato de que o uso de descartáveis aumentou de 5% para 8% ao ano, em função das doenças infecto-contagiosas e da busca de melhores condições nos serviços de saúde.

Atualmente, as resoluções do CONAMA anteriores à data da publicação da Resolução 358 de 29 de abril de 2005 foram revogadas. Essa nova resolução do CONAMA guarda extrema coerência e sintonia com a Resolução 306/2004 da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA, 2004).

Para Naime 2005:

a falta de informações sobre o assunto é um dos principais motivos para a ausência de projetos bem sustentados que determinem melhorias no setor. Particularmente os resíduos dos serviços de saúde merecem atenção especial em suas fases de separação, acondicionamento, armazenamento, coleta, transporte, tratamento e disposição final.

As consequências da falta de informações e indefinições são observadas pela carência de modelos de resíduos do serviço da saúde, pois uma parte considerável das organizações hospitalares desconhece os procedimentos básicos no manejo dos resíduos. Por outro lado, cabe destacar que a concepção dos tratamentos de resíduos pode avançar muito. Autores como Andrade (1999) apresentam os resultados encontrados para a composição gravimétrica dos resíduos produzidos por estabelecimentos prestadores de serviços de saúde no município de São Carlos, em São Paulo, demonstrando que há predominância de materiais potencialmente reaproveitáveis entre esses resíduos. Levando esse fato em consideração, que muitos resíduos de saúde não são contaminados, e apropriando a idéia de gestão avançada de resíduos, muitas ações podem ser aprimoradas nessa questão.

É importante salientar a existência de estudos sobre a presença de patógenos oportunistas nos líquidos percolados da disposição final de RSSS, que revelam microrganismos indicadores de contaminação ambiental como a P. aeruginosa, S. aureus, E. fecais e C. perfringens (BIDONE et al., 2000; RAMALHO et al, 2007).

Essas evidências, somadas às outras, facilitam a elaboração de um planejamento e implantação de ações sistêmicas. Atualmente existem legislações federais extremamente rigorosas com a responsabilidade do gerador sobre os resíduos gerados (NAIME, 2005).

Tema transversal e multidisciplinar para várias áreas, desde a medicina até a administração hospitalar, a questão do gerenciamento e destinação final adequados dos resíduos sólidos dos serviços de saúde tem sua mais recente normatização fixada pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA). Este procedimento foi realizado através de resolução conjunta com o CONAMA, com o título de “Regulamento Técnico para o Gerenciamento de Resíduos de Serviços de Saúde”, sob o número de Resolução – RDC 306 do órgão.

Este Regulamento apresenta no capítulo III Gerenciamento dos Resíduos de Serviços de Saúde o seguinte parágrafo:

O gerenciamento dos RSS constitui-se em um conjunto de procedimentos de gestão, planejados e implementados a partir de bases científicas e técnicas, normativas e legais, com o objetivo de minimizar a produção de resíduos e proporcionar aos resíduos gerados, um encaminhamento seguro, de forma eficiente, visando a proteção dos trabalhadores, a preservação da saúde pública, dos recursos naturais e do meio ambiente. (RDC 306/2004 – ANVISA).

A partir dessas orientações, todo gerador deve elaborar um Plano de Gerenciamento de Resíduos de Serviços de Saúde (PGRSS), conforme as características dos resíduos gerados e na classificação especificada na Resolução. Esse Plano engloba o manejo nas etapas de segregação, acondicionamento, identificação, transporte interno, armazenamento temporário, tratamento, armazenamento externo, coleta e transporte externo e disposição final. Esse Plano será documento obrigatório para a solicitação de licenciamento ambiental das empresas que geram resíduos de serviços de saúde.

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