O Homem e a sua Saúde
- Equipe Oncoguia
É um menino! Comemora o casal com a notícia do médico. O pai, com a
imagem do ultrassom em mãos, exibe aos amigos as formas da criança.
"Olha o sexo dele como já é grande. Meu filho vai fazer sucesso na
maternidade!”. A mãe, de pronto providencia a decoração do quarto:
Colcha azul, paredes azuis, guarda-roupa azul, decoração azul. Cor de
menino. O casal de amigos leva o uniforme do time de futebol de presente
e a vizinha religiosa uma imagem de São José, Santo protetor do pai de
família, para pendurar na ponta do berço.
O menino novo que nascerá é predestinado já na vida fetal. Vai ter
costas largas e mãos grandes; ser craque no futebol e na cama; terá
posses, casa confortável e carro do ano; será esposo provedor da
menininha que também despontará na vida. Vai ser saudável, forte e
viril. Não ficará doente.
O menininho acima não existe. É uma representação de tantos outros
que vivem por aí vestindo confortavelmente a fantasia de super heróis.
Acostumados, assim como toda a sociedade, com a ideia de que existem
dois tipos distintos de seres humanos. As mulheres - mães, acolhedoras e
frágeis - e os homens - fortes, viris e provedores.
A dicotomia e os estereótipos de gêneros, enraizados há séculos em
nossa cultura patriarcal, são perversos em muitos aspectos. Na saúde,
comumente, estimulam um comportamento irresponsável dos homens, que
resistem a assumir os cuidados por sua saúde com a certeza de que são
‘inatingíveis’, imunes a quaisquer doenças.
Levantamento feito pelo Centro de Referência da Saúde do Homem,
órgão da Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo, mostra que 60% (1,5
mil) do total de pacientes que chegam ao Centro por mês já apresentam
doenças em estado considerado avançado e necessitam de intervenção
cirúrgica para tratá-las.
"O quadro é reflexo da baixa procura por consultas regulares e
exames preventivos por parte dos homens”, disse Joaquim Claro,
urologista e médico coordenador do Centro de Referência da Saúde do
Homem, na ocasião da publicação dos dados do levantamento.
Os argumentos dos homens, que camuflam o pensamento mágico que
rejeita a possibilidade de adoecer, são os mais variados, porém sempre
baseados na posição do provedor. Eles não têm tempo para consultas
médicas, pois não podem faltar ao trabalho. Fazendo um recorte de
classes e olhando apenas para os homens que se utilizam do Sistema Único
de Saúde, a situação tende a ser ainda pior. Como poderiam esperar na
fila pela consulta se têm de colocar comida em casa?
Neste contexto, muitos especialistas em saúde creditam à mulher o
papel de estimuladoras e mantenedoras da saúde do homem. Do filho e o
marido. "A Mulher tem cobrado muito do seu esposo a proatividade em
saúde e certamente isso tem repercutido em mudanças. O papel dela é
fundamental nesse processo”, diz o urologista Ricardo De La Roca (CRM
-28886).
A doutoranda em ciência políticas da Universidade Federal de São
Carlos, Marcela Purini Belém, discorda do médico com relação à
responsabilidade feminina na saúde masculina. Para ela, enquanto houver o
entendimento de que existe um cuidador e alguém que precisa ser
cuidado, no seu espaço privado, não haverá mudanças reais no
comportamento masculino. "A mensagem tem que ser endereçada ao homem.
Ele deve entender, assim como a mulher, que cada qual é responsável por
sua saúde. A mulher deve sim dar bons exemplos ao homem. Se usa protetor
solar para evitar o câncer de pele, porque não convidá-lo a fazer o
mesmo, mostrando os benefícios dessa ação, que é tão simples?”,
questiona.
Para Marcela, as mudanças devem acontecer em âmbito público e não
no privado, por exemplo, com a confecção mais constante de políticas
públicas voltadas para a saúde masculina, o que pouco se vê no Brasil.
Em 2008 o Governo Federal instituiu a Política Nacional de Atenção
Integral à Saúde do Homem, com o objetivo de criar diretrizes em saúde
pública, com foco na população masculina. Entre as justificativas para o
desenho da Política, estavam estudos comparativos entre homens e
mulheres, que aclaravam o fato de que os homens são mais vulneráveis às
doenças, sobretudo àquelas graves e crônicas, e que morrem mais
precocemente que as mulheres (a expectativa de vida das mulheres é de
76,1 anos e quanto a dos homens é de 68,5, diferença de 7,6 anos entre
os dois sexos – Ministério da Saúde).
Mas a abordagem ao homem com relação à sua saúde ainda é muito
incipiente no país e, pode-se até dizer, em todo o mundo. Com relação ao
câncer, por exemplo, não existe uma campanha de mobilização global que
‘fale’ com os homens, já com as mulheres sim. O exemplo mais enigmático é
o Movimento Outubro Rosa, campanha de prevenção ao câncer de mama
instituída em 1997 nos Estados Unidos para dar visibilidade ao problema
da neoplasia e incitar as mulheres a realizarem a mamografia. Após 15
anos de lançamento da campanha, ‘iniciativas cor de rosa’ são,
anualmente, adotadas em todo o mundo.
Porque não existe ainda uma inicitiva azul?
Mudanças no caminho
Dr. De La Roca acredita que os homens estão visitando consultórios
médicos com mais frequência. Além da participação feminina no processo
de amadurecimento masculino em saúde, ele dá os créditos às campanhas
desenvolvidas por governos e entidades sem fins lucrativos. Ele comenta
que há pouco tempo atendeu um paciente do nordeste, que o buscou após
ter contato com uma campanha de prevenção ao câncer de pênis realizada
na região.
A socióloga Marcela entende que essa mudança paulatina é resultado,
também, do processo de autonomização das mulheres. "Elas saem de casa,
assumem outras posições sociais, não podem mais cuidar do marido e do
filho como cuidavam”.
Daniele Ribeiro da Silva também é socióloga, e estudiosa de
sociologia da moda. Para ela é possível fazer-se uma relação com o culto
do brasileiro ao corpo e a maior proatividade masculina em saúde. "No
Brasil, é o corpo quem adorna a roupa e não a roupa que adorna o corpo.
Para ter o corpo belo, o homem precisa ir para a academia, comer melhor.
Isso faz com ele tenha melhor percepção sobre a sua saúde”, finaliza.
Quando começar?
O economista Julio Accioli, 27, é proativo no autocuidado em saúde.
Adepto desde criança à prática de esportes, sempre conciliou a
atividade física com estudos e trabalho. Já jogou futebol, basquete e
capoeira; lutou jiu-jitsu e andou de patins. Hoje corre, anda de skate,
frequenta a academia e faz aulas de boxe.
A Alimentação e o sono balanceados fazem parte do cenário. Accioli,
anualmente, visita um clínico geral e realiza cada um dos exames
indicados à sua faixa etária. "Acho que o ponto de partida para o
cuidado com a minha saúde foram os esportes, que sempre gostei”, diz.
O homem não tem o ‘seu’ médico - assim como tem a mulher. Segundo o
Dr. De La Roca, o especialista que mais se aproxima do que "seria um
ginecologista masculino” é o urologista.
Ele alerta os homens para a importância de pedir ao profissional
que faça uma avaliação global de sua saúde. "O urologista deve atuar,
também, como um clínico geral. Não deve perguntar somente sobre a
próstata, mas sim checar o peso, os hormônios, a função hepática,
orientar sobre adoção de hábitos saudáveis e, também, direcionar o
paciente a um cardiologista se perceber a necessidade. Isso porque, no
ciclo da vida, o que vai afetar primeiro o homem não são os problemas da
próstata, mais sim a hipertensão, ou um problema cardiorrespiratório”,
explica.
Sobre a hora de começar a frequentar consultórios médicos e
realizar exames de rotina, o urologista afirma que é natural que os
homens o façam mais tarde que a mulher. Isso porque, elas são mais
"expostas a doenças”, principalmente durante a vida sexual, sem contar
que ficam grávidas e, com isso, têm acompanhamento profissional nos
períodos gestacionais.
"Os Homens, a não ser que portadores de uma doença de controle
(como diabetes), tomam partida para o cuidado frequente da saúde por
volta dos 55 ou 60 anos”, comenta.
O agrônomo aposentado, Antônio Barros, 65, que joga a ‘pelada’ no
clube com os amigos desde os 18, sempre visitou o médico somente quando
um problema de saúde batia à sua porta. "Isso até os 40 anos, quanto
tive uma infecção urinária muito séria e comecei a monitorar a minha
próstata”, lembra.
Ele diz que sim, que sempre se cuidou, mas um "susto” o fez se
ainda mais proativo em relação à saúde. "Foi o entupimento em 40% de uma
artéria coronária. Com isso passei a me alimentar ainda melhor e a
praticar exercícios físicos supervisionados por um personal trainer”.
Hoje Antônio frequenta a academia nas segundas e quartas-feiras e,
terças e quintas, faz aula de hidroginástica. Ah, aos sábados tem o
futebol com os amigos. "E quero fazer Yoga, mas ainda estou procurando
uma escola na minha cidade, Tatuí”.
Reflexão
A Mulher geralmente vai ao ‘seu’ médico para cuidar, fazer a
manutenção, de sua saúde. Em contrapartida, o homem, de forma geral, vai
ao médico para cuidar da doença.
Homens e mulheres – abandonando-se aqui a dicotomia de gêneros –
devem entender como cuidar da sua saúde. Desde cedo. Desde sempre. Como?
Visitando o médico com frequência, adotando hábitos de vida saudáveis,
conhecendo o histórico de doenças na família e, se necessário,
realizando exames de rastreamento. Por assim dizer, conhecendo o seu
próprio corpo e as suas necessidades.
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