Juíza diz que justiça terapêutica pode ter êxito no Brasil
Deborah White-Labora, magistrada em Miami, abriu ciclo de debates sobre dependência química nesta segunda (24), na ALMG.
“Definitivamente a cadeia não
recupera o dependente químico. A implantação da justiça terapêutica é,
de fato, onerosa, mas o modelo já alcança resultados concretos. Acredito
que a criação do sistema no Brasil seja viável”.
O apontamento foi
feito pela juíza da Corte de Drogas do Condado de Miami, Deborah
White-Labora, em palestra que abriu o Ciclo de Debates Um Novo Olhar sobre a Dependência Química, realizada na noite desta segunda-feira (24/6/13), no Plenário da Assembleia Legislativa de Minas Gerais.
A juíza, ao resgatar sua experiência,
ressaltou que as prerrogativas da justiça terapêutica começaram a se
delinear há 25 anos, quando Miami vivia certo colapso social em função
do aumento da criminalidade e do consumo de drogas, sobretudo da
cocaína, e, logo em seguida, do seu subproduto, o crack. “Ficamos
conhecidos como a capital da cocaína, do assassinato. As prisões estavam
lotadas. Descobrimos que os procedimentos que tínhamos em mãos não
dariam conta de mudar essa realidade”.
Para a magistrada, a justiça
terapêutica, dentre outros princípios, deve se pautar pelo beneficio
legal e pela reabilitação. Ela explicou que a reabilitação consiste em
oferecer tratamentos para interromper o processo de dependência e, que,
para tanto, a corte conta com equipes de trabalho, incluindo defensores
públicos e promotores de justiça. O “cliente”, nome que ela dá ao
detento que se integra ao processo de recuperação, deve ser atendido por
uma abordagem global. Segundo a juíza, enquanto uma corte convencional
aplica apenas a punição, “nós oferecemos assistência também em relação à
moradia, até um tratamento odontológico se for preciso”.
O acompanhamento do dependente químico é
rigoroso, e ele só obtém “alta” e tem sua ficha “limpa” quando preenche
certas condições, como estar empregado por pelo menos seis meses. Além
de apresentar resultados positivos, a abordagem também gera economia. De
acordo com a magistrada, para cada dólar gasto pela Corte de Drogas na
reabilitação do dependente, economizam-se três dólares com outras
despesas como a manutenção de cadeias.
Labora encerrou sua palestra dizendo que
“Minas é o coração do Brasil”, onde, segundo ela, foi recebida com muita
hospitalidade. A juíza diz ainda acreditar no potencial do Estado para
criar seu próprio modelo de justiça terapêutica. Ela conta que já
recebeu representantes de diversos países, inclusive parlamentares
mineiros, para conhecer o funcionamento da corte. Nesta terça-feria
(25), será a vez dela conhecer o trabalho feito pelas comunidades
terapêuticas mineiras.
Em seu pronunciamento, o
deputado Vanderlei Miranda (PMDB), representando o presidente da ALMG,
deputado Dinis Pinheiro (PSDB), relembrou as ações do Legislativo de
Minas que buscaram fomentar políticas públicas capazes de enfrentar o
problema. Ele deu destaque à criação, em 2013, da Comissão de Prevenção e
Combate ao Uso de Crack e Outras Drogas, que pretende dar continuidade
aos trabalhos da comissão especial anteriormente criada com o mesmo
objetivo.
Outro evento que mereceu a atenção de
Vanderlei Miranda foi a realização da Marcha contra o Crack, em 23 de
junho de 2012, que reuniu 15 mil pessoas entre deputados estaduais e
federais, estudantes, prefeitos da Região Metropolitana, vereadores de
Belo Horizonte, líderes religiosos católicos e evangélicos e entidades
da sociedade civil. “Temos certeza, há muito tempo, de que o Parlamento,
isolado, não é capaz de alcançar soluções para problemas sociais
complexos como este. Sabemos que o fim desta cruel epidemia só será
possível com o envolvimento de todos”, ressaltou o deputado.
Também o subsecretário de Estado de
Políticas sobre Drogas, Cloves Benevides, enfatizou a criação de uma
comissão permanente cuja prioridade é somar esforços para combater o
tráfico e o uso de drogas. “Considero a Assembleia um exemplo para todo o
País. Este evento é mais uma contribuição do Legislativo à consolidação
das políticas públicas do Estado. Ter a ALMG como parceira é um
privilégio, pois as discussões promovidas aqui realmente se transformam
em resultados concretos”, afirmou.
Juíza responde questões sobre práticas e limitações da justiça terapêutica
Ao avisar sobre seu interesse
de interagir com o público presente, a juíza Deborah White-Labora abriu
caminho para questionamentos de agentes públicos e demais cidadãos. A
magistrada respondeu perguntas sobre a abordagem do processo de
recuperação; a diferenciação do tratamento dispensado a crianças e
adolescentes; os casos que são encaminhados às cortes tradicionais; as
sanções impostas aos dependentes; dentre outras.
A deputada Liza Prado (PSB) quis saber o
que a Corte de Drogas de Miami considera como “tratamento mínimo” aos
dependentes químicos. A juíza explicou que as exigências mínimas para
quem aceitou participar do processo de recuperação são: comparecer duas
vezes por semana a sessões com terapeuta; a realização de exames, três
vezes a cada semana, para checar se houve consumo de drogas; ir à corte
sempre que for requisitado; e participar, semanalmente, de uma reunião
de grupos como os narcóticos anônimos. “O percurso não é fácil, eles têm
que trabalhar duro, mas os resultados são positivos e, ao final, nos
agradecem por não termos desistido deles”, salientou.
Já a magistrada da Vara Infracional da
Infância e Juventude do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, Valéria da
Silva Rodrigues, teceu considerações a respeito das leis brasileiras que
exigem cumprimento regular da pena pelo dependente químico, sendo
permitido o tratamento apenas em concomitância com a sanção. Deborah
White-Labora ressaltou que a Corte de Drogas aplica sanções, às vezes,
intercalando um período de reclusão com etapas do processo de
tratamento, mas que autores de crimes violentos não são beneficiados
pela justiça terapêutica.
Como abordar e julgar os casos em que o
usuário de drogas acaba se transformando em um pequeno traficante para
sustentar o seu consumo? A preocupação do deputado Paulo Lamac (PT)
mereceu atenção da juíza, que afirmou ser uma questão também complexa
para o sistema judicial norte-americano. Labora explicou que existem
limitações legislativas que impõem um julgamento convencional àqueles
que são acusados de tráfico. Mas ela ressalva que, quando a promotoria
entende que se trata de um caso de dependência, há a possibilidade de
dar ao indivíduo “uma segunda chance”.
Painéis - Nesta terça-feira (25),
as atividades do ciclo de debates se iniciam às 9 horas, com o painel
"Justiça Terapêutica – perspectivas e desafios". O painel "Ações para o
tratamento de dependente – o que está sendo feito?" compõe a programação
da tarde, com início previsto para as 14 horas. Após cada painel, serão
realizados debates, com a palavra aberta a todos os participantes
inscritos.
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