Nova Lei de Drogas prejudica sistema carcerário
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Em entrevista ao jornal Gazeta do Povo, no fim de maio, o pesquisador da ENSP Paulo Amarante comentou
o projeto de lei que amplia a pena mínima para o tráfico de drogas. Na
opinião de Amarante, que também é presidente da Associação Brasileira de
Saúde Mental (Abrasme), o projeto não ajuda na distinção entre usuário e
traficante e, por isso, só ajudará a aumentar o déficit no sistema
carcerário. Confira a reportagem completa.Gazeta do Povo - Online
Nova Lei de Drogas vai aumentar a lotação do sistema carcerário
30 de maio de 2013
O projeto de lei que amplia a pena mínima para o tráfico de drogas não ajudará a distinguir o usuário do traficante e poderá sobrecarregar ainda mais um sistema que já conta com um déficit de 203 mil vagas. A proposta (n.º 7.663/2010), aprovada na Câmara dos Deputados, segue agora para o Senado. Nos últimos cinco anos, a quantidade de internos por tráfico no Brasil aumentou quase três vezes e, hoje, esse crime é responsável pela prisão de um em cada quatro condenados.
O projeto de lei que amplia a pena mínima para o tráfico de drogas não ajudará a distinguir o usuário do traficante e poderá sobrecarregar ainda mais um sistema que já conta com um déficit de 203 mil vagas. A proposta (n.º 7.663/2010), aprovada na Câmara dos Deputados, segue agora para o Senado. Nos últimos cinco anos, a quantidade de internos por tráfico no Brasil aumentou quase três vezes e, hoje, esse crime é responsável pela prisão de um em cada quatro condenados.
De acordo com dados do Infopen, base de dados do Ministério da Justiça,
em 2006, ano no qual foi instituído o Sistema Nacional de Políticas
Públicas Sobre Drogas (Sisnad), havia 47.442 presos por tráfico de
drogas nos presídios brasileiros 14,7% do total. Em dezembro de 2012,
essa quantidade pulou para 131.198 (25,5%).
O
projeto aprovado foi o substitutivo do relator Givaldo Carimbão (PSB-AL)
ao texto de autoria do deputado Osmar Terra (PMDB-RS). Nele, amplia-se a
pena mínima de cinco para oito anos ao traficante que comanda
organização criminosa definida pela reunião de quatro pessoas ou mais. A
punição máxima continua sendo de 15 anos de reclusão. No texto
original, essa pena seria aplicada para qualquer traficante.
Segundo especialistas, mesmo com o atenuante, a medida poderá
sobrecarregar as penitenciárias brasileiras. "Não existe definição clara
do conceito de organização criminosa. Corremos o risco de todos
entrarem como membro de facção", diz André Giamberardino, professor da
Universidade Federal do Paraná e especialista em Direito Penal.
André Mendes, professor de Direito da Fundação Getulio Vargas (FGV),
prefere não opinar sobre a definição dada pelo projeto ao chefe de
organização criminosa, mas critica o aumento da pena. "A Lei de Drogas
já havia aumentado as penas mínimas para o tráfico de três para cinco
anos e, mesmo assim, esse crime não diminuiu. Essa operação de agora
pretende aumentar ainda mais e é muito duvidoso que isso provoque
redução."
Especialistas ainda lamentam o fato de
o projeto de lei não distinguir o usuário do traficante. A Lei
11.343/2006, a que criou o Sisnad, prevê penas mais brandas a usuários
de drogas, mas não os classifica com clareza por não definir as
quantidades que caracterizam o porte para uso pessoal.
"A guerra às drogas é uma ideologia falida e foi perdida. O projeto não
ajuda na distinção entre usuário e traficante e, por isso, só ajudará a
aumentar o déficit no sistema carcerário", diz Paulo Amarante,
coordenador do Laboratório de Estudos e Pesquisas em Saúde Mental e
Atenção Psicossocial, da Fiocruz.
Capacidade
Internação involuntária vai demandar um número maior de leitos
Prática já adotada em estados como São Paulo e Rio de Janeiro, a
internação involuntária também é tema do Projeto nº 7.663/10. Caso a lei
seja sancionada, Diogo Busse, diretor do Departamento de Políticas
Públicas Sobre Drogas, da Secretaria Municipal Antidrogas, acredita que
Curitiba teria de ampliar consideravelmente sua estrutura para receber
esses usuários. "Temos 259 vagas para internação, levando em
consideração as vagas nos Caps [Centros de Atenção Psicossocial] e nos
hospitais Dia e Integral. Precisaríamos ampliar essa rede", afirma
Busse, que é crítico em relação ao projeto. "Não nego a internação
involuntária, mas ela precisa ser encarada como medida extrema, e não
como política pública. Não são todos os pacientes que precisam de
internação." O diretor da prefeitura ponderou, porém, que uma eventual
sanção presidencial ao texto não significa uma mudança radical na
política de tratamento adotada pelo município.
Pelo texto, a internação involuntária, dependerá de avaliação do tipo de
droga, padrão de consumo e de pedido familiar ou de servidor público
das áreas de saúde ou de assistência social. Essa internação será em
ambulatórios, unidades de saúde ou hospitais gerais. A pessoa poderá
ficar internada por no máximo 90 dias e será liberada a qualquer momento
se esse for o desejo da família. O projeto ainda prevê o uso de
comunidades terapêuticas para reinserção social de dependentes, mas
apenas por meio de internações voluntárias.
Negociação
Após acordo, governo passou a apoiar projeto
Alvo de críticas dos Ministérios da Justiça e da Saúde, o Projeto de
Lei n.º 7.663 passou a contar com o apoio do governo federal nas últimas
semanas. A mudança de direção do primeiro escalão do governo se deu
após reuniões entre o autor do texto, o deputado Osmar Terra (PMDB-RS); o
relator Givaldo Carimbão (PSB-AL); e a ministra-chefe da Casa Civil,
Gleisi Hoffmann. Após esses encontros, o governo conseguiu abrandar
pontos do texto original como o que limitou a ampliação da pena mínima
aos traficantes vinculados a organizações criminosas (antes era para
todos os traficantes) e o que diminuiu o tempo máximo de internação
involuntária, de 180 para 90 dias.
Deputados
petistas, porém, mantiveram-se contrários ao projeto. A emenda mais
discutida era do PT e pretendia excluir todo o artigo que trata do
aumento da pena a traficantes. Como resultado dessa pressão, o relator
aceitou incluir novo atenuante na lei prevendo que, se a quantidade de
drogas apreendida "demonstrar menor potencial lesivo da conduta", a pena
deve ser reduzida de 1/6 a 2/3.
Ofício
Paraná formalizou pedido para distinguir usuário de traficante
Maria Teresa Ulile Gomes, secretária de Justiça do Paraná (Seju),
encaminhou, em outubro do ano passado, ofício ao ministro da Justiça,
Eduardo Cardozo, solicitando regulamentação da quantidade de drogas que
caracterizaria o usuário. No documento, a secretária cita resultados de
uma pesquisa realizada pela Seju, no ano passado, no Presídio
Hildebrando de Souza, em Ponta Grossa. O levantamento constatou que, do
total dos presos por tráfico no local, 61% haviam sido condenados após
serem flagrados com 20 gramas ou menos de droga.
"Hoje, o juiz não sabe se a quantidade de droga apreendida é compatível
ou não com o consumo pessoal. A definição [das quantidades]
estabeleceria um critério objetivo", afirma Maria Teresa.
Como forma de conter o avanço das drogas, a secretária defende a
criação de vagas no regime semiaberto, onde haverá uma estrutura de
ressocialização. A maioria dos traficantes presos se assemelha mais a um
usuário do que ao narcotraficante.
Quantidade
Diversos países têm legislações que estabelecem a quantidade de drogas
que caracteriza o uso pessoal. O Uruguai, por exemplo, estuda proposta
que permite posse de até 40 gramas de maconha. Nos Estados Unidos,
estados como Washington e Colorado consideram 28,5 gramas o limite para
uso próprio. No Brasil, a legislação não é clara.
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