segunda-feira, 2 de abril de 2012

Educação permanente com ACS - Iguatu/CE

Educação em saúde: novas formas de intervenção sobre a realidade

Os modelos educativos em saúde vêm sofrendo alterações ao longo do tempo, passando de um modelo pedagógico tradicional, baseado na exposição de conteúdos e prescrição comportamental – sem levar em conta os saberes existentes da clientela, as motivações, crenças culturais e necessidades da população, apresentando consequentemente resultados insatisfatórios do ponto de vista sanitário –, para um modelo baseado na interação entre educadoreducando, profissionalusuário. Neste modelo estão envolvidos os pressupostos da horizontalidade do cuidado, a humanização e a articulação entre os saberes científico e popular.

As práticas de educação em saúde têm focalizado historicamente as mudanças no comportamento do indivíduo numa perspectiva tecnicista. Nas práticas sanitárias brasileiras, o modelo de educação em saúde passou do tradicional na década de 1970, baseado nas orientações centradas na exposição do educador e imposição de padrões a serem seguidos, a um modelo pósReforma Sanitária, no qual foram sendo incorporados os princípios da humanização, a educação popular em saúde, advinda da pedagogia freiriana, e a emancipação do ser humano como sujeito históricocultural (Bógus, 2007).

Na visão de Paulo Freire, o ser humano deve ser concebido como um ser histórico, devendo preceder no processo ensino-aprendizagem uma reflexão que produza no educando a capacidade de provocar mudanças na sua realidade social, permitindo que o homem chegue a ser sujeito, construindose como pessoa, transformando o mundo e estabelecendo relações de reciprocidade com outros sujeitos e com o seu ambiente, construindo cultura e história (Behrens, 1999).

Tais pressupostos e ideias de Paulo Freire não ficaram restritos à pedagogia, mas foram incorporados por outras áreas do conhecimento, incluindo a saúde, com as reformas conceituais e práticas instituídas pela Reforma Sanitária e pelo movimento de institucionalização do Sistema Único de Saúde (SUS), no qual a relação entre profissionais de saúde e usuários precisa superar a imposição de comportamentos a serem adotados pelos indivíduos para uma relação dialógica, em que os usuários reflitam sobre suas condições de saúde e se repensem os melhores e mais adequados caminhos para modificar os seus padrões de saúde-doença, com base na reflexão, consciência e autonomia.

O modelo tradicional de ensino-aprendizagem é criticado por Paulo Freire como sendo educação bancária, tendo em vista que neste método o educador apenas deposita conhecimentos aos educandos e estes apenas os guardam e arquivam. Transpondo isto para a educação em saúde, o trabalhador dessa área atua no processo de ensino-aprendizagem como o detentor do conhecimento absoluto, sem consideração aos saberes dos usuários, que possuem o conhecimento popular (Miranda e Barroso, 2004). Segundo esta concepção, a educação em saúde é um instrumento de dominação e de responsabilização dos indivíduos pela redução dos riscos à sua saúde, não contribuindo para a consolidação da integralidade e para a promoção à saúde (Mendes et al., 2007).

Pereira, Vieira e Amâncio Filho (2011) abordam a relevância do diálogo como uma exigência existencial, sendo definido como o encontro em que se solidarizam e se articulam o refletir e o agir de sujeitos endereçados ao mundo a ser transformado e humanizado. Nesse âmbito, não se pode reduzir esse encontro a um ato de depositar ideias de um no outro, mas sim a um ato de criação responsável pela libertação dos homens.

Ante esse panorama e considerandose a formação biologicista e flexneriana dos profissionais da saúde, que preconiza a superespecialização, o Ministério da Saúde lança em 2004 a Política Nacional de Educação Permanente em Saúde (PNEPS) do SUS visando à efetivação dos seus princípios. Esta iniciativa objetiva trabalhar com os profissionais de saúde, colocando o cotidiano da prática no processo de formação, levandoos à problematização, à reflexão para agir em prol da mudança em parceria com a comunidade, à transformação das práticas profissionais e da própria organização do trabalho, tomando como referência as necessidades de saúde das populações e a organização da gestão setorial, tendo em vista que as mudanças no processo de educar em saúde só poderiam ocorrer com um novo olhar dos profissionais que executam as atividades de educação em saúde (Ceccim, 2005; Brasil, 2004a; Nicoletto, 2008).

Dessa forma, a educação em saúde pode funcionar como instrumento de transformação social que coloca a cultura no centro de seu processo, possibilitando atuar sobre a representação da comunidade, para sobre ela agir. Nesse modelo buscase propiciar aos profissionais e clientela os recursos para conhecer, compreender e agir na sociedade para que se emancipem. Um dos elementos fundamentais do método de Freire consiste em utilizar o saber anterior do educando como ponto de partida do processo pedagógico (Alvim, 2007; Meyer et al., 2006; Pereira, 2003).

A educação permanente em saúde propõe a agregação entre aprendizado, reflexão crítica sobre o trabalho, resolutividade da clínica e promoção da saúde coletiva (Brasil, 2004a). Esta tem como eixos norteadores a relação entre educação e trabalho, a mudança nas políticas de formação e nas práticas de saúde, a produção e a disseminação do conhecimento (Brasil, 2003).

A proposta de educação permanente foi desenvolvida como estratégia para se alcançar o desenvolvimento da relação entre o trabalho e a educação. Parte do pressuposto de que o conhecimento se origina na identificação das necessidades e na busca de solução para os problemas encontrados, sendo válidos na solução dos problemas tanto o conhecimento científico como o popular. Nessa perspectiva, a atividade do trabalhador pode ser o ponto de partida de seu saber real, determinando, dessa maneira, sua aprendizagem subsequente (Lopes et al., 2007).

Essa política objetiva uma educação contínua dos trabalhadores do SUS, tendo como ponto de partida o seu trabalho, o cotidiano de suas atividades, em que o aprender e o ensinar se incorporam ao cotidiano das organizações e ao trabalho, para por meio de situações encontradas em cada realidade serem problematizados os conteúdos, com base na reflexão, na criticidade e no agir em prol da mudança, retomando os conceitos da pedagogia de Freire (Brasil, 2003).

Na conjuntura da Estratégia Saúde da Família (ESF), esses conceitos precisam ser incorporados para promover uma prática educativa problematizadora e emancipatória, na qual o cliente seja concebido como um ser ativo que traz suas experiências provenientes dos demais subsistemas de cuidado à saúde.

Com a Estratégia Saúde da Família, a relação entre profissionais da equipe e usuários pode ser mais estreita pelos pressupostos de adscrição da clientela, territorialização, promoção à saúde e prevenção das doenças, em substituição ao modelo hospitalocêntrico, impondo aos profissionais de saúde conviverem com outros modelos ou sistemas de cuidado e se aproximarem deles, os quais incluem o familiar e o popular, com vistas a uma maior aproximação da lógica do cliente/usuário e de uma interface entre o profissional e o cliente (Boehs et al., 2007).

Considerando a atenção básica como um dos locais prioritários para o desenvolvimento das ações de promoção à saúde, tendo como instrumento a educação em saúde, esta se configura como um ambiente propício para a consolidação de ações educativas que abordem não somente o processo saúde-doença, mas conceitos de cidadania e participação comunitária.

Apesar do conhecido potencial da educação em saúde como prática de mobilização da comunidade, observa-se que os serviços de saúde têm dado pouca ênfase às ações educativas. Os motivos desse impasse devem-se às características culturais da população e dos profissionais que assistem à clientela, ao desestímulo, à infraestrutura precária, ao despreparo dos profissionais de saúde para atuar segundo esse enfoque, à falta de recursos didáticos, dentre outros aspectos (Albuquerque e Stotz, 2004; Melo, Santos e Trezza, 2005).

Aliadas a esse processo de educação permanente dos trabalhadores do SUS, têm sido propostas mudanças concomitantes na formação dos profissionais de saúde, por meio de metodologias ativas de ensino-aprendizagem, que superam o depósito e transferência de conhecimentos, tendo em vista que a utilização das metodologias ativas pode favorecer a atuação em relação aos usuários e à sociedade como um todo.

A metodologia da problematização oferece subsídios para uma aprendizagem significativa por descoberta, valorizando o aprender a aprender, sendo os conteúdos trabalhados na forma de problemas, cujas relações são analisadas e interpretadas, e o conhecimento é criado/recriado numa relação dialógica entre educandos e educadores, em um movimento tensionador entre o saber anterior e a experiência presente (Cyrino e Pereira, 2004; Berbel, 1998; Ceccim, 2008).

Transpondo esses conceitos para a educação em saúde, verificase similarmente que as metodologias ativas de ensino-aprendizagem deverão levar em conta os conhecimentos prévios dos usuários, a sua cultura, a disposição para aprender e a abertura interior para modificar a sua realidade, sendo necessária, além da própria formação dos profissionais de saúde, a abertura de canais de comunicação com os gestores dos sistemas locais de saúde para dispor de tempo e espaços apropriados para tais atividades, as quais demandam tempo, recursos humanos, motivação dos sujeitos envolvidos e continuidade para a produção de resultados a curto, médio e longo prazos.

Assim, as mudanças no sistema de saúde brasileiro baseadas em princípios de integralidade, equidade, participação popular, priorização da promoção à saúde, sem prejuízo das ações assistenciais, tem como política a priorização da atenção primária à saúde, organizada com base em equipes multiprofissionais, que deem conta das necessidades da clientela (Brasil, 2000).

Nessas equipes, destaca-se a figura do agente comunitário de saúde (ACS) como elo entre a comunidade e o sistema local de saúde, sendo uma pessoa que intermedeia as necessidades nesta área da comunidade com a demanda dos serviços locais (Silva e Dalmaso, 2002).

Estudo desenvolvido sobre o ACS para a avaliação da melhoria da qualidade na atenção básica (Qualis/PSF), no município de São Paulo, identificou que esse ator social não dispõe de instrumentos de tecnologia, incluídos aí os saberes para as diferentes dimensões esperadas do seu trabalho. Essa insuficiência faz com que ele acabe trabalhando com o senso comum, religião e, mais raramente, com os saberes e recursos das famílias e da comunidade (Silva e Dalmaso, 2002).

Evidenciase na maioria das regiões do país que os ACS iniciaram seus trabalhos sem formação específica, receberam informações básicas sobre o que coletar em suas visitas e aprendem no cotidiano do seu trabalho o aprenderfazendo, dependendo do julgamento pessoal.

No que se refere à qualificação, verificase também que esse profissional não tem contado com ferramentas de ensino-aprendizagem que aliem o conhecimento popular trazido da comunidade com o conhecimento técnico-científico, indispensável para a apropriação de práticas de promoção à saúde.

Por esse prisma, vislumbrase o uso de metodologias ativas nos processos de formação dos trabalhadores de saúde, e neste estudo formulou-se uma ação educativa com ACS sobre cuidados preventivos para crianças com asma, tendo em vista as potencialidades dessas metodologias para a construção de conhecimentos que subsidiem uma prática educativa continuada e mobilizadora junto às famílias que convivem com essa problemática, com condições de vida precárias que dificultam o alcance de tecnologias de alto custo.

O objetivo deste artigo foi descrever uma ação educativa com agentes comunitários de saúde sobre conhecimentos e práticas relacionados ao cuidado da criança asmática no domicílio, adotando as diretrizes da Política Nacional de Educação Permanente em Saúde no contexto da atenção primária.

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