segunda-feira, 10 de setembro de 2012

1ª parte - avaliação da AB


Na opinião dos usuários, a Atenção Básica vai bem. Pórem…

Hêider Pinto, diretor do Departamento de Atenção Básica do Ministério da Saúde, faz a análise do resultado da Pesquisa de Avaliação dos Usuários sobre a Atenção Básica feita pela Ouvidoria Geral do SUS (SEGEP/MS).
Por Hêider Aurélio Pinto, Médico especialista em saúde coletiva, mestrando em saúde coletiva pela UFRGS e Diretor do Departamento de Atenção Básica do Ministério da Saúde.


Introdução
No primeiro semestre de 2012 o Ministério da Saúde publicou o “Relatório Preliminar da Pesquisa de Satisfação com Cidadãos usuários e não usuários do SUS quanto aos aspectos de acesso e qualidade percebida na atenção à saúde” realizada pelo Departamento de Ouvidoria Geral do SUS (DOGES) e formulada com a participação do Departamento de Atenção Básica (DAB) e contribuições do Departamento de Monitoramento e Avaliação do SUS (DEMAS) e de diversos especialistas (merece destaque o empenho e todo trabalho realizado pela equipe coordenada por Luis Bolzan, Diretor do DOGES, e as importantes contribuições de Afonso dos Reis do DEMAS, de Sábado Girardi da UFMG e de Luiz Facchini da UFPel).
A pesquisa teve como objetivo “avaliar o grau de satisfação dos usuários do SUS quanto aos aspectos de acesso e qualidade percebida na atenção básica e urgência/emergência, mediante inquérito amostral” e foi realizada por ETAC (entrevistas telefônicas assistidas por computador) com amostra aleatória de números de telefones fixos e móveis a partir de bases de dados fornecidas por empresas de telefonia.
Foram ouvidos mais de 26 mil cidadãos com 16 anos ou mais em todo o país que tinham ou não usado o SUS nos últimos 12 meses para vacinação, consultas, exames, atendimento de urgência, internação ou para medicamentos, ou ainda que tivessem dependentes que utilizaram algum desses serviços. Para aqueles que utilizaram foi aplicado um questionário de até 41 perguntas. Para aqueles que não utilizaram foi aplicado um questionário menor. A amostra foi construída com o objetivo de avaliar a situação do país como um todo e de cada uma das capitais do Brasil e das cidades com mais de 500 mil habitantes em particular.
Essa foi a primeira aplicação de um inquérito que pretende ser periódico e possibilitar o acompanhamento e evolução da situação permitindo que se trace tendências e municie a tomada de decisão referente aos elementos pesquisados.
Antes de mais nada, temos que ressaltar a importância do Ministério da Saúde ter colocado no centro de sua avaliação, formulação e planejamento de políticas públicas a escuta dos cidadãos, tendo avançado num conceito de “ouvidoria ativa” reiteradamente enfatizado pelo Ministro Alexandre Padilha.
Esse artigo pretende dar destaque e refletir sobre alguns achados dessa pesquisa, que teve relativamente pouca repercussão tanto nos meios especializados quanto nos meios de comunicação em geral. Partindo do relatório disponível, vamos tratar na primeira parte do que se compreende como “usuário do SUS” na pesquisa e quais elementos interessantes percebemos na comparação entre usuários e não usuários. Na segunda parte discutiremos os dados relacionados ao acesso dos usuários. Na terceira e última parte trataremos dos dados relacionados à satisfação dos usuários com os serviços prestados e concluiremos identificando pontos que deverão ser aprofundados até o próximo inquérito, outras iniciativas em curso que podem contribuir com o aprofundamento de algumas questões suscitadas pela reflexão sobre os achados dessa pesquisa e levantaremos ainda interrogações para estudos futuros.

Primeira Parte

Usuários e não usuários do SUS
Um primeiro efeito da pesquisa é colocar interrogações no que chamamos de usuários do SUS. Muitas vezes considera-se usuários do SUS todos aqueles que não possuem plano de saúde. Ora, sabemos que todos os cidadãos brasileiros são usuários do SUS quando consideramos tudo o que o SUS faz, acrescentando às ações assistenciais e à oferta de medicamentos, as ações de vigilância à saúde como, por exemplo, a normatização e fiscalização das condições sanitárias de produção, armazenamento e distribuição dos alimentos e dos estabelecimentos comerciais e produtivos.
A pesquisa fez um determinado recorte com o intuito de captar a satisfação das pessoas que tiveram a experiência de,  nos último 12 meses, terem sido atendidas em serviços de saúde do SUS em busca de consultas, exames, vacinas, internação ou ainda medicamentos.
A decisão de mobilizar a experiência de atendimento das pessoas e a partir daí perguntar sobre o SUS e seus serviços foi fortalecida nos debates com o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) a partir da discussão sobre sua pesquisa de Sistema de Indicadores de Percepção Social. O IPEA mostrou que há diferença importante de opinião sobre o SUS entre quem usa o sistema e quem não usa. Segundo o estudo, entre aqueles que tiveram alguma experiência com os serviços do SUS nos últimos 12 meses, a proporção de opiniões de que esses serviços são muito bons ou bons foi maior (30,4%) do que entre o outro grupo (19,2%). A proporção de opiniões de que os serviços prestados pelo SUS são ruins ou muito ruins foi maior entre os entrevistados que não tiveram experiência com algum dos serviços pesquisados (34,3%), em comparação com aqueles que tiveram (27,6%).
A hipótese é que quando indagamos sobre os SUS às pessoas que usam o Sistema Único de Saúde o que elas avaliam é fundamentalmente sua vivência e experiência com os serviços do Sistema. Quando a abordagem da pesquisa traz, logo de início, a pergunta se a pessoa usou ou não tal ou qual serviço nos últimos 12 meses, é essa memória que é mobilizada para que, a partir dela, se avalie o Sistema. De outro lado, as pessoas que não usam tendem a reproduzir o que ouvem e lêem resultando numa opinião muito influenciada pela representação social dominante, em muito massificada de maneira reiterada pelos meios de comunicação comerciais e de massa.
Esse fenômeno foi marcante também na pesquisa do Ministério da Saúde. Comparando esse resultado específico com os demais achados da pesquisa, que serão debatidos a seguir, percebemos claramente que é ainda mais complexa a relação entre o uso, a satisfação e a mobilização da experiência vivida e/ou da ideia comunicada. Teremos a oportunidade de discutir isso ao fim desse artigo.
Mesmo com o recorte temporal específico de 12 meses e com o escopo de serviços determinado pela pesquisa, a imensa maioria dos entrevistados (18.673 – 70%) utilizou o SUS. Um elemento importante que não está à vista no Relatório do Ministério é que dentre os 26.662 entrevistados 31% têm planos de saúde e entre estes, expressivos 52% utilizaram o SUS no período considerado. Ou seja, a metade das pessoas que tem plano buscou e usou o SUS conforme os critérios da pesquisa. Assim, o mal termo “SUS-dependente”, utilizado como o contrário daquele que tem plano, mostra o quanto é inapropriado no contexto de um Sistema de Saúde que, embora seja bipartido, possui uma evidente e grande intersecção entre os dois “mundos”.
É de fundamental importância que o Ministério da Saúde, as Universidades e os Institutos de Pesquisa associadas ao estudo aprofundem a compreensão desse fenômeno e acompanhem doravante suas tendências. Torna-se ainda mais importante num contexto em que, de um lado, cada vez mais cidadãos com planos precisam e usam o SUS, e de outro, o Ministério avança em diversas medidas para unificar os cadastro dos cidadãos no SUS com aqueles da saúde suplementar. Possibilitando assim, que a integração dos sistemas de informação, a universalização do Cartão Nacional de Saúde (Cartão-SUS) e o avanço na informatização dos serviços permitam o cumprimento adequado da lei de ressarcimento do SUS, obrigando o ressarcimento do público quando um serviço que deveria ser ofertado ao seu segurado pelo plano de saúde é na verdade realizado pelo SUS.
A pesquisa realizada pelo Ministério apresentou questões abertas que tentaram compreender os “por quês” do uso e do não uso de serviços do SUS por quem tem plano de saúde. A publicação das análises qualitativas dessas respostas será importante para aprofundar o tema e dirigir novas interrogações para o próximo inquérito.
Destacamos, no quadro a seguir, elementos que diferenciam o grupo de cidadãos que utilizaram o SUS daquele dos que não utilizaram.

Diferenças entre o perfil dos Grupos de usuários que usaram e que não usaram o SUS

Utilizaram os serviços do SUS considerados Não utilizaram os serviços do SUS considerados
Não têm Plano de Saúde
77%
49%
Sexo Feminino
67%
55%
Declaram-se Brancos
41%
45%
Declaram-se Negros
12%
11%
Têm Nível Médio de Escolaridade Completo
43%
44%
Têm Nível Superior de Escolaridade Completo
10%
19%
Renda familiar maior que 2 salários mínimos entre os que declararam
30%
47%
Renda familiar maior que 10 salários mínimos entre os que declararam
1,3%
4,7%
Além do que já foi dito sobre ter ou não ter um plano, percebemos que entre os que não utilizaram o SUS, comparado com os que utilizaram, temos um percentual maior de homens, de pessoas com ensino superior completo e com renda familiar acima de 2 e 10 salários mínimos. Ou seja, além da bem evidenciada maior utilização dos serviços por parte das mulheres, observamos fatores que marcam diferenças socioeconômicas importantes nesses dois grupos.
Contudo, a diferença mais marcante e complexa entre os dois grupos está relacionada à avaliação que fazem do SUS. Mas, como foi dito, retomaremos isso na terceira parte do artigo por entender que o que segue é importante para construir hipóteses sobre esse fenômeno. Fiquemos agora com a segunda parte que trata da maneira como os usuários percebem o acesso à atenção básica à saúde.

Continua em http://blogsaudebrasil.com.br/2012/09/05/parte-ii-para-os-usuarios-a-atencao-basica-vai-bem-porem/

Nenhum comentário:

Postar um comentário