Drogas: liberação não significa aumento do consumo
Publicada emAbrindo sua exposição, Luiz Eduardo Soares afirmou ser favorável à legalização das drogas no país. Tal debate transcende o espaço da acadêmica e transborda para o cotidiano da população. Segundo o cientista político, no Brasil, ocorrem por ano 50 mil homicídios dolosos – média preservada independentemente da região do país. Este número coloca o Brasil na segunda posição mundial em letalidade intencional, ficando atrás apenas da Rússia em números absolutos. Em números relativos, o Brasil fica em quinto lugar na América Latina. A região concentra 42% das mortes por armas de fogo em todo o mundo, mesmo quando computados países em guerra civil. “Entretanto, dessas 50 mil mortes, apenas 8% são esclarecidas, ainda que não sejam julgadas na justiça, permanecendo impunes 92%, para as quais sequer há identificação do sujeito”, ressaltou.
“Isso que dizer que somos o país da impunidade?”, perguntou. “Verdade e mentira”, respondeu o palestrante. Segundo Luiz Eduardo, o Brasil conta com 540 mil presos, sendo a terceira maior população carcerária do mundo, ficando atrás apenas da China e dos Estados Unidos. O país possui ainda a taxa mais veloz de encarceramento, levando a crer que não somos um país em que existe impunidade. “Como podemos explicar esta contradição: apenas 8% dos homicídios dolosos são esclarecidos, enquanto nossa população carcerária segue em crescimento?” Isso é resultado da promulgação da Lei 11.343/06, que institui o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas (Sisnad), prescrevendo medidas para prevenção do uso indevido, atenção e reinserção social de usuários e dependentes de drogas e estabelecendo normas para repressão à produção não autorizada e ao tráfico ilícito de drogas. “Sempre critiquei essa lei porque era a abertura das portas do inferno para os usuários”, destacou.
O que ocorre, segundo ele, é que há uma forte concentração de jovens, pobres, negros, do sexo masculino, que não usavam armas e sem vínculo com organizações criminosas, presos em flagrante por negociarem substâncias ilícitas. “Mais de 65% dos presos, nos últimos quatro anos, constituem esse público”. O país gasta mensalmente cerca de R$ 1.500,00 em média por preso de forma errada, de acordo com Luiz Eduardo. O expositor foi categórico em dizer que essas pessoas não estão sendo preparadas para o mercado de trabalho, recebendo complementação educacional, ou para serem acolhidas por seus familiares, e sim envolvidas com grupos criminosos existentes dentro das prisões, “pois deixamos com que esses jovens façam estágios nas sucursais do inferno”, afirmou.
Em números globais, o tráfico de drogas movimentou, em 2005, mais de 300 bilhões de dólares em todo o mundo, mais de 88% do PIB dos países que integram a ONU. Além disso, desde 1972, os Estados Unidos já gastaram mais de um trilhão de dólares na guerra às drogas.
Legalização: problema ou solução?
O Ministério da Justiça conta com bons operadores e funcionários competentes, mas com dificuldades imensas para dar qualquer passo com relação ao tema, enquanto a sociedade tem se mobilizado para ampliar o debate sobre a legalização das drogas. “Falar sobre drogas não constitui hoje uma heresia e já não macula mais uma identidade profissional, ainda que haja algumas limitações. É necessário maior debate pela legalização das drogas e menos o jogo político das possibilidades que existe no Brasil. Temos de respeitar o papel de cada ator e de cada instituição neste processo.”
“Por que a legalização e de que maneira o proibicionismo brasileiro tem provocado o aumento da população carcerária, além de contribuir para a violência da qual somos vítimas?” Porque, segundo ele, em primeiro lugar, só há tráfico ou clandestinidade se existir a proibição legal e, em segundo lugar, o tráfico de drogas financia o tráfico de armas, aumentando consequentemente a violência. A legislação brasileira faculta a autoridade judicial um âmbito de arbítrio, cabendo ao juiz decidir se há tráfico ou consumo de drogas. O consumo ainda é considerado crime, mas não há mais a privação de liberdade, e sim penas alternativas.
Entretanto, o país ainda sofre com o preconceito existente, seja na autoridade judicial ou policial. Luiz Eduardo citou como exemplo a diferença entre um menino negro e pobre, que, quando preso com drogas, é interpretado como traficante. Já um jovem branco, de classe média, é considerado usuário. “Isso vem se tornando um padrão em nossa sociedade.”
Embora o Brasil venha passando por um processo de redução da desigualdade e do desemprego, ainda que limitado, ao longo dos últimos anos, isso não foi suficiente para reduzir o número de encarceramentos, podendo ser este explicado a partir de duas hipóteses: a irracionalidade que pode residir nas pessoas ou a necessidade de ganhos secundários, pois diversos setores são beneficiados como é o caso da área da segurança.
“Quando me perguntam se o Brasil está preparado para a legalização, eu respondo: O Brasil está preparado para responder aos 50 mil homicídios por ano? Para gerar todas as mazelas que esse tipo de política tem produzido? Não creio que nenhum país esteja preparado para viver o pior. Essa pergunta não faz sentido, até porque se preparar significa investir nesse processo de transformação.” Quanto ao mito da expansão do consumo, caso a droga seja liberada, Luiz Eduardo explica que ele está baseado no grande engano de que a proibição inibe o consumo. “Não é isso que acontece. É impossível impedir o acesso quando há desejos envolvidos aliando oferta e demanda. Ninguém está propondo o fim da proibição das drogas, mas sim em que contexto político e jurídico se dará o debate sobre esse acesso que já existe.” Ele revela que é necessário uma disciplina, uma regulação e um controle, além de informação para os usuários, que hoje estão perdidos.
O cientista político ressalta que o álcool e o cigarro não sofrem o mesmo tipo de regulação que as drogas. O álcool é o maior problema de saúde pública atualmente. Já o cigarro, revela, passou por tanto debate que hoje é careta fumar, embora isso não impeça o fumante de exercer sua liberdade de fumar em seu próprio espaço. “Temos de compreender melhor as motivações mais profundas geradas pelo consumo de drogas e não só o prazer momentâneo que ela proporciona”, disse.
Presidente da Fiocruz debate exposição
“Entender a questão das drogas apenas a partir da repressão não é a solução”, afirmou o presidente da Fiocruz e presidente do Comitê Brasileiro sobre Drogas e Democracia, Paulo Gadelha, após exposição de Luiz Eduardo Soares. Segundo Gadelha, ao longo dos anos, a guerra às drogas provou-se ineficaz apenas por meio da repressão, o que levou a uma mudança internacional. Vários países fizeram mudanças em suas políticas contra as drogas tendo em vista melhor compreender o problema, trazendo para a saúde pública, para o campo da assistência e para a sociedade este debate, retirando dos usuários o processo criminal. Isso rendeu uma série de evidências, como a redução da população carcerária. “Em Portugal, por exemplo, houve uma redução de 40 para 21% da população carcerária ao se descriminalizar o usuário”, disse.
O presidente ressaltou que o campo da saúde pública no Brasil vem atuando de forma parcial nessa temática, uma vez que a questão da legalização das drogas ainda é um tabu para o governo que se move contraditoriamente. “No campo da saúde pública, há um grande espaço para o debate, embora ela não aborde a legislação, como se a legislação não fosse um dos determinantes sociais, os quais fazem com que a possibilidade de reverter o modelo de atenção esteja impedida pelas barreiras de estigmatização e criminalização”, afirmou.
Outro ponto levantado por Gadelha é que não há nenhuma evidência que justifique por que uma droga é lícita ou ilícita com relação ao dano que ela produz. Pesquisa mostra que a percepção social da população é de que uma pessoa que experimentou a maconha tenha a possibilidade de ser dependente a vida inteira, mas, quando perguntada sobre o álcool, se a pessoa pode beber diariamente, a população percebe o risco como muito baixo. “Das internações, 70% ocorrem pelo álcool, e 90% das mortalidades também. Mas o álcool é considerado menos problemático que outras drogas ilícitas. A percepção da sociedade está tão consolidada que é necessário um processo amplo de debate social para o processo de modificação”, destacou.
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