Congresso discute desafios da saúde mental
Publicada em
Fortaleza
está pequena para a quantidade de alunos, profissionais e usuários do
campo da saúde mental no Brasil. Tudo por conta do III Congresso
Brasileiro de Saúde Mental, que acontece de 7 a 9 de junho, na capital
cearense. Mais de 6,5 mil pessoas passarão pelo Centro de Convenções do
Ceará para discutir os rumos e desafios que definirão as políticas
brasileiras para a saúde mental nos próximos anos. A abertura do
congresso, no dia 7 de junho, teve como conferencista o reitor da
Universidade Estadual do Ceará, José Jackson Coelho Sampaio,
apresentando o tema Epistemologia de 'arrepios e doidices': saúde mental como diversidade, subjetividade e luta política.
O III Congresso é organizado pela Associação Brasileira de Saúde Mental
(Abrasme), que tem como presidente o pesquisador da ENSP Paulo
Amarante.
No primeiro dia do evento (7/6)
diversas atividades preencheram os vários ambientes do Centro de
Convenções do Ceará. A mostra fotográfica O teu olhar melhora o meu,
com curadoria de Adriana Faheina, apresentou um outro universo, o das
pessoas com transtorno mental, que focaram situações do seu cotidiano,
suas relações sociais, seus interesses, sonhos e desejos, através de
fotografias guiadas por elas mesmas.
Ainda na
parte cultural, o congresso contou também com um show do grupo Forró sem
Preconceito, trazendo o tradicional ritmo nordestino, um desfile do
bloco carnavalescoDoido é Tu e o lançamento do mais novo CD do grupo Harmonia Enlouquece, intitulado Mudânica superativa,
que fez parte da festa de abertura do evento. O Harmonia Enlouquece é
formado por usuários, funcionários e voluntários do Centro Psiquiátrico
do Rio de Janeiro; foi criado há 11 anos como um espaço para que os
pacientes pudessem ter contato com a música e se expressar.
O pesquisador da ENSP Paulo Amarante distribuiu o CD Cidade em movimento,
do projeto Heterogênese Urbana – surgido em 1998 no interior de
ambulatórios de saúde mental do Programa de Saúde Mental de Macaé (RJ)
–, que atualmente faz parte do conteúdo acadêmico do Curso de
Especialização em Saúde Mental e Atenção Psicossocial da ENSP. No CD,
Amarante toca violão em uma música e tem uma composição de sua autoria
entre as 16 faixas do álbum.
Já no primeiro dia do congresso, Paulo Amarante lançou o livro Saúde mental e arte: práticas, saberes e debates,
que reúne textos de autores com as mais variadas formações, organizado
em parceria com Fernanda Nocam, que traz a pluralidade das
possibilidades de se pensar e fazer arte no campo da saúde mental.
Segundo os organizadores, o livro não é uma "obra de conhecimentos
prontos e acabados, mas, sim, de práticas inventadas, de experiências
reais e únicas, que valorizam a diferença e a singularidade e deixam
sempre a impressão de que existem brechas para novas intervenções e
novos saberes".
Sobre a importância do III
Congresso Brasileiro de Saúde Mental, a pesquisadora da Universidade
Federal do Piauí Lúcia Cristina dos Santos Rosa ressaltou que esse é um
amplo encontro entre os integrantes do movimento inicial da Reforma
Psiquiátrica no Brasil, que defendiam, desde os anos oitenta, o fim dos
manicômios, com uma nova geração, que busca nesses nomes experiências e
conhecimentos para o desenvolvimento de políticas mais humanas e de
qualidade para a saúde mental no país. Já para a estudante da
Universidade de Fortaleza Márcia Rodrigues, o evento mostra que as
discussões em torno do assunto estão cada vez mais fortes no Brasil,
acreditando que as decisões tomadas ao final dos três dias de debate
contribuam ainda mais com a política Nacional de Saúde Mental do
Ministério da Saúde.
Militância é a força da saúde mental no país
Na solenidade de abertura do III Congresso, a presidenta do evento,
Maria Salete Bessa Jorge, ressaltou que um encontro como esse traz uma
visão única sobre a subjetividade dos usuários, além de fomentar uma
saúde mental de qualidade para atores, gestores e usuários que
enfrentam, ainda hoje, uma luta política frente ao novos rumos das
políticas públicas de saúde mental no país. Para ela, é a militância da
saúde mental que faz com que essa área esteja seguindo rumos concretos
na luta antimanicomial no país.
Já Paulo
Amarante, presidente da Abrasme e pesquisador da ENSP, afirma que não há
país no mundo com um movimento tão diversificado e com participação
social tão ampla na área da saúde mental como o Brasil. “E isso está
expresso no número de participantes que temos neste III Congresso.
Estamos unidos na militância e na dedicação pelo fim dos manicômios e de
uma reforma política por saúde mental de qualidade para todos”,
destacou.
O palestrante convidado da noite, o
reitor da Universidade Estadual do Ceará, José Jackson Coelho Sampaio,
lembrou que há 25 anos foi realizado o primeiro Congresso Brasileiro de
Saúde Mental, um encontro não mais de vanguarda, de guerrilha contra o
poder, e sim de um poder constituído que teve que responder por suas
ações ao longo dos anos. Citou, ainda, que há onze anos foi promulgada a
Lei da Reforma Psiquiátrica no Brasil, que trouxe avanços enormes para a
área, que fez com que o país contasse hoje, através de movimentos como a
luta antimanicomial e as políticas de inclusão para os usuários do
sistema, com 1.742 Centros de Atenção Psicossocial (Caps).
“Para comemorar e criticar os avanços e desafios dessa longa história,
vou brincar com o tecnoleto – cada uma das variedades de uma língua que
reúne o linguajar e o conjunto do vocabulário usado para expressar a
tecnologia –, de algumas palavras ligadas à saúde mental”, disse.
Segundo Jackson Sampaio, 'loucura’ é uma categoria de senso comum de
tudo aquilo que escapa à norma; ‘alienação’ é o 'deixar de ser eu e me
tornar o outro', sendo esse um conceito que vem substituindo a
‘loucura’; e ‘psicopatia’, que é uma invenção médica do século XVIII,
significa ‘doença da alma’. “Este último é um neologismo, para os
médicos não usarem mais palavras como ‘alienação’ ou ‘loucura’. É a
primeira palavra científica com sentido genérico a virar expressão do
adoecer”, afirmou.
O reitor criticou os
profissionais da prática da saúde mental que só sabem trabalhar com
conceitos decorados e medicações preestabelecidas e que, ao longo dos
anos, deixaram de saber os reais conceitos das palavras e seus sentidos.
E ressaltou: “Para realmente compreendermos o que ocorre com os
usuários do sistema de saúde mental, temos que entender o que está por
trás das palavras”.
Por fim, o palestrante
afirmou que são quatro as habilidades fundamentais que um profissional
deve ter para atuar no campo da saúde mental, sendo esse um componente
fundamental da área da Saúde Coletiva. São elas: habilidade técnica –
dominar o uso das ferramentas existentes para o trabalho; habilidade
política – compreender que cada vez mais o campo psiquiátrico não pode
virar mercadoria; habilidade relacional – saber se relacionar com o
outro na diferença, compreendendo-o e respeitando-o, e não se sentir
ameaçado pela diversidade desse outro; e, por fim, a habilidade
comunicacional – o profissional tem que saber lidar com inúmeras
linguagens e formas legítimas criadas para representar a realidade
humana, independentemente de onde se esteja.
“Só
assim seremos plenamente autores e atores importantes no campo da
atenção psicossocial que estamos construindo para o país”, encerrou.
Fechando o primeiro dia do congresso, foi apresentado o Cordel das
Camisetas da Luta Antimanicomial, que, através da literatura de cordel e
do desfile das camisetas, conta um pouco da história da luta
antimanicocomial no país. O trabalho é de autoria da pesquisadora do
Laps/ENSP Leandra Brasil da Cruz.
*Antonio Fuchs viajou a convite da organização do evento.
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