domingo, 10 de junho de 2012

Desafios

Congresso discute desafios da saúde mental

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Fortaleza está pequena para a quantidade de alunos, profissionais e usuários do campo da saúde mental no Brasil. Tudo por conta do III Congresso Brasileiro de Saúde Mental, que acontece de 7 a 9 de junho, na capital cearense. Mais de 6,5 mil pessoas passarão pelo Centro de Convenções do Ceará para discutir os rumos e desafios que definirão as políticas brasileiras para a saúde mental nos próximos anos. A abertura do congresso, no dia 7 de junho, teve como conferencista o reitor da Universidade Estadual do Ceará, José Jackson Coelho Sampaio, apresentando o tema Epistemologia de 'arrepios e doidices': saúde mental como diversidade, subjetividade e luta política. O III Congresso é organizado pela Associação Brasileira de Saúde Mental (Abrasme), que tem como presidente o pesquisador da ENSP Paulo Amarante.
 
No primeiro dia do evento (7/6) diversas atividades preencheram os vários ambientes do Centro de Convenções do Ceará. A mostra fotográfica O teu olhar melhora o meu, com curadoria de Adriana Faheina, apresentou um outro universo, o das pessoas com transtorno mental, que focaram situações do seu cotidiano, suas relações sociais, seus interesses, sonhos e desejos, através de fotografias guiadas por elas mesmas.
 
Ainda na parte cultural, o congresso contou também com um show do grupo Forró sem Preconceito, trazendo o tradicional ritmo nordestino, um desfile do bloco carnavalescoDoido é Tu e o lançamento do mais novo CD do grupo Harmonia Enlouquece, intitulado Mudânica superativa, que fez parte da festa de abertura do evento. O Harmonia Enlouquece é formado por usuários, funcionários e voluntários do Centro Psiquiátrico do Rio de Janeiro; foi criado há 11 anos como um espaço para que os pacientes pudessem ter contato com a música e se expressar.
 
O pesquisador da ENSP Paulo Amarante distribuiu o CD Cidade em movimento, do projeto Heterogênese Urbana – surgido em 1998 no interior de ambulatórios de saúde mental do Programa de Saúde Mental de Macaé (RJ) –, que atualmente faz parte do conteúdo acadêmico do Curso de Especialização em Saúde Mental e Atenção Psicossocial da ENSP. No CD, Amarante toca violão em uma música e tem uma composição de sua autoria entre as 16 faixas do álbum.
 
Já no primeiro dia do congresso, Paulo Amarante lançou o livro  Saúde mental e arte: práticas, saberes e debates, que reúne textos de autores com as mais variadas formações, organizado em parceria com Fernanda Nocam, que traz a pluralidade das possibilidades de se pensar e fazer arte no campo da saúde mental. Segundo os organizadores, o livro não é uma "obra de conhecimentos prontos e acabados, mas, sim, de práticas inventadas, de experiências reais e únicas, que valorizam a diferença e a singularidade e deixam sempre a impressão de que existem brechas para novas intervenções e novos saberes".
 
Sobre a importância do III Congresso Brasileiro de Saúde Mental, a pesquisadora da Universidade Federal do Piauí Lúcia Cristina dos Santos Rosa ressaltou que esse é um amplo encontro entre os integrantes do movimento inicial da Reforma Psiquiátrica no Brasil, que defendiam, desde os anos oitenta, o fim dos manicômios, com uma nova geração, que busca nesses nomes experiências e conhecimentos para o desenvolvimento de políticas mais humanas e de qualidade para a saúde mental no país. Já para a estudante da Universidade de Fortaleza Márcia Rodrigues, o evento mostra que as discussões em torno do assunto estão cada vez mais fortes no Brasil, acreditando que as decisões tomadas ao final dos três dias de debate contribuam ainda mais com a política Nacional de Saúde Mental do Ministério da Saúde.
 
Militância é a força da saúde mental no país
 
Na solenidade de abertura do III Congresso, a presidenta do evento, Maria Salete Bessa Jorge, ressaltou que um encontro como esse traz uma visão única sobre a subjetividade dos usuários, além de fomentar uma saúde mental de qualidade para atores, gestores e usuários que enfrentam, ainda hoje, uma luta política frente ao novos rumos das políticas públicas de saúde mental no país. Para ela, é a militância da saúde mental que faz com que essa área esteja seguindo rumos concretos na luta antimanicomial no país.
 
Já Paulo Amarante, presidente da Abrasme e pesquisador da ENSP, afirma que não há país no mundo com um movimento tão diversificado e com participação social tão ampla na área da saúde mental como o Brasil. “E isso está expresso no número de participantes que temos neste III Congresso. Estamos unidos na militância e na dedicação pelo fim dos manicômios e de uma reforma política por saúde mental de qualidade para todos”, destacou.
 
O palestrante convidado da noite, o reitor da Universidade Estadual do Ceará, José Jackson Coelho Sampaio, lembrou que há 25 anos foi realizado o primeiro Congresso Brasileiro de Saúde Mental, um encontro não mais de vanguarda, de guerrilha contra o poder, e sim de um poder constituído que teve que responder por suas ações ao longo dos anos. Citou, ainda, que há onze anos foi promulgada a Lei da Reforma Psiquiátrica no Brasil, que trouxe avanços enormes para a área, que fez com que o país contasse hoje, através de movimentos como a luta antimanicomial e as políticas de inclusão para os usuários do sistema, com 1.742 Centros de Atenção Psicossocial (Caps).
 
“Para comemorar e criticar os avanços e desafios dessa longa história, vou brincar com o tecnoleto – cada uma das variedades de uma língua que reúne o linguajar e o conjunto do vocabulário usado para expressar a tecnologia –, de algumas palavras ligadas à saúde mental”, disse.
 
Segundo Jackson Sampaio, 'loucura’ é uma categoria de senso comum de tudo aquilo que escapa à norma; ‘alienação’ é o 'deixar de ser eu e me tornar o outro', sendo esse um conceito que vem substituindo a ‘loucura’; e ‘psicopatia’, que é uma invenção médica do século XVIII, significa ‘doença da alma’. “Este último é um neologismo, para os médicos não usarem mais palavras como ‘alienação’ ou ‘loucura’. É a primeira palavra científica com sentido genérico a virar expressão do adoecer”, afirmou.
 
O reitor criticou os profissionais da prática da saúde mental que só sabem trabalhar com conceitos decorados e medicações preestabelecidas e que, ao longo dos anos, deixaram de saber os reais conceitos das palavras e seus sentidos. E ressaltou: “Para realmente compreendermos o que ocorre com os usuários do sistema de saúde mental, temos que entender o que está por trás das palavras”.
 
Por fim, o palestrante afirmou que são quatro as habilidades fundamentais que um profissional deve ter para atuar no campo da saúde mental, sendo esse um componente fundamental da área da Saúde Coletiva. São elas: habilidade técnica – dominar o uso das ferramentas existentes para o trabalho; habilidade política – compreender que cada vez mais o campo psiquiátrico não pode virar mercadoria; habilidade relacional – saber se relacionar com o outro na diferença, compreendendo-o e respeitando-o, e não se sentir ameaçado pela diversidade desse outro; e, por fim, a habilidade comunicacional – o profissional tem que saber lidar com inúmeras linguagens e formas legítimas criadas para representar a realidade humana, independentemente de onde se esteja.
 
“Só assim seremos plenamente autores e atores importantes no campo da atenção psicossocial que estamos construindo para o país”, encerrou.
 
Fechando o primeiro dia do congresso, foi apresentado o Cordel das Camisetas da Luta Antimanicomial, que, através da literatura de cordel e do desfile das camisetas, conta um pouco da história da luta antimanicocomial no país. O trabalho é de autoria da pesquisadora do Laps/ENSP Leandra Brasil da Cruz.
 
*Antonio Fuchs viajou a convite da organização do evento.

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