Posted: 28 May 2013 07:17 AM PDT
Médicos aguardam publicação de norma técnica do Ministério da Saúde
A decisão do Supremo não fez aumentar o número de procedimentos |
Passado um ano desde que o Supremo Tribunal Federal autorizou o aborto
em casos de gravidez de fetos anencéfalos (sem cérebro), pacientes
brasileiras estão tendo acesso mais fácil ao procedimento, mas ainda há
importantes deficiências a serem resolvidas, dizem médicos consultados
pela BBC Brasil.
A decisão do STF — tomada em abril de 2012 e detalhada no mês seguinte
em resolução do Conselho Federal de Medicina — tem forte oposição de
grupos religiosos, que a veem como um retrocesso das garantias do
direito à vida.
Antes, mulheres grávidas de fetos sem cérebro tinham de pedir à Justiça
autorização para interromper a gestação, algo que podia ou não ser
concedido pelo juiz.
'Em São Paulo, isso poderia levar de uma semana a dois ou três meses',
afirma o ginecologista Cristião Rosas, da Federação Brasileira de
Ginecologia e Obstetrícia. Atualmente, esse período foi reduzido a dias,
caso a mulher decida pelo procedimento.
— Mas a rapidez não vem em primeiro lugar', complementa o ginecologista
Thomaz Gollop, coordenador de um grupo de estudos sobre o aborto. 'A
paciente deve receber orientação psicológica e ter tempo de amadurecer
(sua decisão).
Informações
A gravidez de anencéfalos é considerada de alto risco, porque o feto
fica em posição anormal e há o perigo de acúmulo de líquido no útero,
descolamento de placenta e hemorragia. E não há perspectivas de longa
sobrevivência para o feto, que em muitos casos morre durante a gestação.
Os médicos aguardam a publicação de uma norma técnica do Ministério da
Saúde, com diretrizes claras sobre como os profissionais devem lidar com
o tema. A norma está em fase final, mas não há data para sua
publicação.
Enquanto isso, especialistas dizem que há desinformação, tanto entre
pacientes quanto entre as próprias equipes de saúde; que os serviços que
realizam o aborto (entre 50 e 60) são insuficientes; e que muitos
profissionais alegam razões de foro íntimo para não informar as
gestantes de seu direito ou mesmo para negar o procedimento.
— Ainda há (entre alguns médicos) a falsa ideia de que a interrupção é
mais arriscada do que deixar a gravidez evoluir. E é ao contrário. Daí o
médico posterga tanto que, quando a mulher chega ao hospital (para
interromper a gestação), já está em situação de risco.
'Chorei tanto'
A dona de casa pernambucana Elisa (nome fictício), de 23 anos, descobriu
estar grávida de um bebê anencéfalo no mês passado, seu quinto de
gestação.
— Era uma menina, uma filha que eu desejei muito. Chorei tanto. Fiz de
novo o ultrassom e o médico falou que eu poderia interromper a gravidez.
Decidi interromper.
Mas o hospital procurado por Elisa, a 680 km de Recife, é dirigido por
religiosos católicos, que negaram o procedimento. Elisa recorreu a uma
prima, enfermeira em um hospital em Recife, onde a jovem fez a
antecipação terapêutica do parto.
O Ministério da Saúde afirma que, diante da decisão do STF e sendo o
Brasil um Estado laico, hospitais que se negarem a realizar
procedimentos legais podem ser acionados na Justiça.
Já a CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil) defende o direito
de médicos e entidades exercerem objeções de consciência.
Disparidades
Polêmicas à parte, para Thomaz Gollop, o direito ao aborto no caso de
anencefalia está consolidado 'por 21 anos de (emissão de) alvarás
judiciários (autorizando a prática), algo sacramentado pela decisão do
Supremo'. Mas a ausência da norma técnica abre espaço para disparidades.
— O procedimento é rápido nos Estados onde existe o serviço legal (de
aborto). Não acredito que as mulheres estejam desassistidas. Mas não
temos nenhuma mensuração.
Não há dados oficiais sobre os abortos legais de anencéfalos no Brasil nem sobre o impacto da decisão do Supremo.
Mas o médico Jefferson Drezzet, do hospital Pérola Byington — referência
em saúde da mulher em São Paulo —, diz que a decisão do Supremo não fez
aumentar o número de procedimentos.
— A anencefalia é uma doença cuja incidência obedece a uma constante. É
diferente do aborto de gestações indesejadas. Portanto, não houve
aumento de casos.
'O que mudou é que as mulheres diagnosticadas não precisam passar pela
torturante tarefa de ir a uma vara criminal por um pedido que podia ou
não ser concedido.'
Luto
A isso — e independentemente se a mulher decida fazer ou não o aborto — se soma um dolorido processo de luto, explica Drezzet.
— A mulher sente culpa, derrota. É uma situação emocionalmente difícil.
Elisa diz à BBC Brasil que ainda tem crises de choro quando pensa na filha que não teve.
— Todas as vezes que eu mexo nas coisinhas que comprei para ela, eu lembro e choro.
Dados globais indicam que a incidência de anencefalia é de em média 1 em
cada 10 mil gestações, mas - por razões não totalmente compreendidas - o
Brasil é um dos países com o maior número de casos. A prevenção é feita
com a ingestão de ácido fólico antes da gestação, o que reduz
consideravelmente os riscos, diz Drezzet.
Os médicos consultados dizem que, em meio à perda, é importante que a mulher não se sinta como culpada ou criminosa.
'Ela tem que saber que tem liberdade de decidir', diz Gollop.
Para Débora Diniz, pesquisadora da Anis (grupo de bioética que propôs a
ação no Supremo), a decisão do STF acabou com a instabilidade jurídica
antes enfrentada pelas mulheres.
Mas o tema está longe de consensos.
'Nos preocupa o modo como o Supremo decidiu pela não-vida do
anencéfalo', diz à BBC Brasil Lenise Garcia, da comissão de bioética da
CNBB.
— Sua perspectiva de vida é pequena, mas ele só pode morrer porque está
vivo. E a vida humana precisa ser resguardada até a morte.
Garcia relata histórias de mulheres que optaram por dar continuidade à
gravidez de anencéfalos, os fetos sobreviveram mais do que o esperado e,
até sua morte, 'existiu uma interação de muito amor' entre mãe e filho.
Fonte BBC Brasil/R7
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