terça-feira, 24 de julho de 2012

Somente 4

Crack, um plano imperfeito     PDF Imprimir E-mail
Gazeta do Povo


Apenas quatro estados brasileiros aderem a plano nacional de enfrentamento à drogadição. Resistência nasce de discordância com programas de saúde empregados pelo governo
Diego Antonelli

Seis meses após ter sido lançado, o Plano Nacional de Enfretamento ao Crack mobilizou até o momento apenas quatro estados, que assinaram termos de cooperação com o governo federal. O Paraná está fora da lista. Rio de Janeiro, Pernambuco, Alagoas e Rio Grande do Sul são os únicos que oficializaram adesão ao programa “Crack, é possível vencer”.
O número de adesões representa a metade do estabelecido como meta pela União até junho deste ano. O atual plano, lançado em dezembro do ano passado, foi o segundo programa de combate à epidemia do crack lançado no país em um intervalo de dois anos. A previsão é de que sejam investidos R$ 4 bilhões até 2014, com ações estruturadas em três eixos: tratamento, prevenção e policiamento.
O plano anterior, de maio de 2010, tinha um programa baseado nos mesmos eixos, mas com uma quantia menor destinada a ações de combate à droga: R$ 400 milhões. O governo estima que a epidemia do crack atinja aproximadamente 1,5 milhão de pessoas em pelo menos 91% das cidades brasileiras.
O montante destinado aos quatro estados que já aderiram ao programa totaliza R$ 465 milhões, a ser repassado até 2014, correspondendo a 12% do valor total projetado. Para especialistas, o número é considerado aquém do necessário. “No papel, o programa é muito bom. O problema é a falta de gestão. Esse programa ainda não decolou”, afirma o sociólogo Luiz Flávio Sapori, especialista em Segurança Pública e autor do livro Crack, um desafio social.
Segundo Sapori, faltam estruturas de gestão e técnica para o assunto. “O governo lançou um programa que até agora não teve resultados. Se continuar dessa forma, infelizmente será um fiasco”, lamenta. Visão semelhante tem o médico psiquiatra Dagoberto Requião, diretor do Hospital Nossa Senhora da Luz, em Curitiba. Apesar do programa específico para combater o crack, ele considera que pouco se pode esperar do projeto. O fato de o governo apostar muito na cura da epidemia por meio de atendimentos em Centros de Atenção Psicossocial para atendimento 24 horas, os Caps-AD III, e em enfermarias especializadas nos hospitais do Sistema Único de Saúde (SUS), desperta dúvidas sobre a eficácia do projeto. Segundo o governo federal, o plano prevê a criação de 3.508 novos leitos em enfermarias e 1,4 mil novas vagas em Caps-AD.
“O tratamento nesses locais [os Caps] é muito relativo. Isso é reflexo da premissa equivocada do fechamento de leitos em hospitais psiquiátricos (resultado da Lei da Reforma Psiquiátrica, de 2001). Precisaria de um espaço próprio para o internamento dos usuários”, ressalta Requião.
O médico psiquiatra Flávio Falcone, especialista na área, considera que a internação não é o melhor caminho. Ele defende que ocorra a internação somente para casos de desintoxicação, em um período médio de 15 a 30 dias. “A internação por um tempo prolongado não se mostra eficiente. Temos de tratar também os outros males que a droga provoca, como os transtornos mentais. É necessário pensar em outras formas de atendimento que não seja a internação”, avalia.
Falcone acredita que, apesar dos percalços, o plano poderá dar mais estrutura ao combate ao crack. “A tendência é de que com o programa tenhamos melhores condições para tratar o vício. Isso é o que a sociedade espera”, diz.
Em dúvida, governo beneficia segurança pública e não a saúde
No ano passado, a área de segurança foi a mais beneficiada com recursos do plano anterior de combate ao crack – foram compradas viaturas, cartuchos de munição e armas, por exemplo, em um investimento de R$ 80 milhões. A saúde ficou com apenas R$ 78 milhões em todo o país.
Para o sociólogo Luiz Flávio Sapori, da PUC de Minas Gerais, essa inversão é um grande erro que não pode se repetir no atual plano. “Para tratar a epidemia do crack é necessário tratar em primeiro lugar a saúde. A expectativa é de que a prevenção e o tratamento sejam priorizados. A segurança não merece tanto recurso comparado com o que a saúde recebeu”, ressalta.
O Ministério da Saúde informa que vai investir, até 2014, R$ 2 bilhões para implantação e ampliação dos serviços. O valor é metade do total que será investido no programa. O restante ficará à cargo da Justiça e da Educação.
De acordo com dados do governo, o Ministério da Saúde aumentou em R$ 213 milhões o teto financeiro dos 26 estados e do Distrito Federal para financiamento dos 1.793 Caps do país.
Os eleitos
Plano do governo reserva R$ 103 milhões para o Rio Grande do Sul
A primeira adesão ao plano “Crack, é possível vencer” foi de Pernambuco, em abril deste ano. O estado irá receber R$ 85 milhões até 2014. Em seguida, aderiram ao projeto Alagoas, que receberá investimento de R$ 37 milhões; Rio de Janeiro, que terá repasse de R$ 240 milhões; e Rio Grande do Sul, que terá investimentos de R$ 103 milhões.
Por meio do projeto, o Rio Grande do Sul – o único estado do Sul que formalizou a adesão – terá, até 2014, sete novos Caps-AD 24 horas, qualificação de outros 14; 28 unidades de acolhimento, sendo 20 destinadas ao público adulto e 8 para o público infantil; 242 leitos em enfermarias especializadas; e 19 consultórios nas ruas. Todos os equipamentos representam 548 novos leitos no estado.
Paraná não adere a plano, mas tem parte nos repasses
O Paraná ainda analisa a adesão ao programa de combate à epidemia do crack. A expectativa é de que a formalização aconteça ainda neste ano. No entanto, a coordenadora do Comitê Interssecretarial de Saúde Mental do governo estadual, Larissa Sayuri Yamaguchi, explica que o fato de o Paraná não ter formalizado o ingresso no plano não impede que ocorram repasses.
“O fato de não termos aderido não traz efeitos negativos em termos de investimentos. Isso porque, independentemente da adesão, os recursos podem ser solicitados à União”, explica Larissa. Segundo ela, o principal diferencial do programa é a construção dos Caps-AD III, que funcionam 24 horas. “O Paraná tem projetos que estão sob análise para a implantação de três Caps-AD, em Curitiba, em Piraquara e em Guarapuava”, explica.
Larissa avalia que com a política nacional de combate ao crack o estado tenha mais verbas e recursos para tratar os dependentes químicos. “Estamos no processo de melhoria da estrutura estadual, complementando as ações do plano nacional”, diz.
Segundo o Ministério da Saúde, o Paraná já foi contemplado com R$ 7,5 milhões oriundos do plano “Crack, é possível vencer”. O governo informa que está investindo no eixo de prevenção, com a capacitação de professores da rede pública de educação e também na capacitação de agentes de saúde. O ministério ressalta que, mesmo não tendo a adesão formal ao programa, todos os estados podem enviar projetos para participar do plano.
Estrutura
O Paraná conta hoje com 94 Caps, 76 núcleos de apoio à saúde da família, dois consultórios de rua, 54 ambulatórios especializados em saúde mental, 489 vagas em hospital-dia, 211 leitos em hospitais gerais e 2.404 leitos em hospitais psiquiátricos. Está em fase de implantação, de acordo com o Ministério da Saúde, mais um consultório de rua e três residências terapêuticas para serem instalados no estado.

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