Lucas de Abreu Maia, José Roberto de Toledo e Rodrigo Burgarelli - O Estado de S.Paulo
Nada mata mais crianças no Brasil do que a ignorância. Pesquisa do Estadão Dados mostra que nenhuma outra de 232 variáveis testadas influi mais nas mortes na infância do que a falta de estudo dos adultos. Nem falta de dinheiro, de água ou esgoto têm impacto maior.
Os dados se referem aos 5.565 municípios brasileiros, foram coletados durante o Censo 2010 e compilados pelo Atlas de Desenvolvimento Humano no Brasil. Eles foram usados para criar um modelo explicativo dos indicadores que poderiam causar a mortalidade de crianças de até 5 anos. Por meio de métodos estatísticos, foi possível ver que a maior causa desse tipo de morte está relacionada à taxa de alfabetização da população com mais de 18 anos.
Para cada ponto porcentual retirado da taxa de analfabetismo da população de 18 anos ou mais, a taxa de mortalidade de crianças até 5 anos cai 4,7 pontos. Na prática, se 1% dos adultos de uma cidade é alfabetizado, em média, mais 47 crianças sobrevivem à primeira infância, a cada 10 mil nascimentos. "Às vezes, a casa não tem saneamento básico, mas se a mãe tem um pouco de educação, consegue que o filho tenha acesso aos programas sociais do governo", disse o pesquisador do IBGE Celso Simões, autor de estudo que chegou a conclusão similar.
O gráfico acima mostra como essas duas variáveis estão relacionadas. Cada ponto representa um município. Ao seguir uma tendência diagonal, o conjunto desses dados revela que quanto maior o analfabetismo, maior a taxa de mortalidade na infância.
Cidades como Olho D'água Grande (AL) são exemplos onde esses dois índices são altíssimos - 50 crianças de até 5 anos morrem por ano e 46% dos adultos são analfabetos.
Blumenau (SC) está no outro extremo, com taxa de mortalidade cinco vezes menor e apenas 2% de analfabetismo entre adultos.
O impacto da alfabetização de adultos sobre a mortalidade de crianças é duas vezes maior do que o da pobreza. O segundo fator com maior peso para evitar mortes infantis é aumentar a fatia da renda dos 20% mais pobres. Cada ponto porcentual a mais na renda faz diminuir 2,8 pontos da taxa de mortalidade na infância.
O terceiro fator estudado que diminui a mortalidade na infância é o acesso a água e esgoto. Mas o impacto é bem menor do que o do analfabetismo e da pobreza. A cada ponto porcentual a menos de população sem saneamento básico, a mortalidade na infância cai 0,8 ponto.
Combinadas, as três variáveis - analfabetismo, pobreza e água/esgoto - explicam 62% da taxa de mortalidade das crianças com até 5 anos no Brasil. O modelo é consistente também no tempo. Aplicado aos dados do Censo de 2000, seu poder de explicação é ainda maior: 69%.
O professor da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa José Cássio de Moraes ressalta que a maior educação materna também aumenta as chances de doenças infantis serem diagnosticadas mais cedo: "A mãe com nível educacional melhor reconhece mais rapidamente os sintomas de doenças."
COLABOROU DIEGO RABATONE
Desafio é reduzir as mortes de recém-nascidos
Entre 2000 e 2011, segundo o SIM-Datasus, as mortes de crianças com menos de 5 anos caíram de 79.470 para 46.375 por ano. A queda foi mais significativa entre as crianças com mais de um mês de vida: 47% no período. Nessa fase, as causas de morte mais comuns podem ser tratadas com terapias simples, como soro caseiro. Isso ajuda a explicar como o aumento da escolaridade dos pais reduz a mortalidade.
Desafio está agora nas crianças com até uma semana de vida, grupo com maior parte das mortes infantis. O problema é mais complexo, porque as causas não são facilmente evitáveis e implicam cuidados com as mães e o parto.
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